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Sobre as conclusões de Natalia Pasternak em seu último livro

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A finalidade deste texto é trazer para discussão e reflexão a carência de fundamento científico nas declarações da autora de que a psicanálise seria uma “fraude”, uma “pseudociência”.

1) Dora não tinha 14 anos quando Freud a atendeu, mas dezoito. Houve confusão da autora entre a cena na loja do Sr. K. e a data do tratamento (Freud, 1905);

2) A respeito das afirmações de que os psicanalistas consideram o material do paciente “como se fossem evidências da presença de um inconsciente recheado de desejos” (p. 191), mas que na realidade “O sistema todo pressupõe o que deveria demonstrar” (p. 191); de que o paciente colabora “ajudando o analista a construir uma narrativa fantasiosa” (p. 191), e ao concordar com o analista “prova” que este “está no caminho certo” (p. 191), mas se negar a fantasia, “também prova que o analista está no caminho certo” (p. 191)” (nesse caso o analista usaria a negativa como prova da resistência), é preciso lembrar que esse argumento, sobre a existência de um “ciclo vicioso” que faz com que o analista esteja sempre certo, é tão antigo quanto equivocado, pois o analista não recebe o sim do paciente como sim e o não como não. Para melhor e mais abrangente conhecimento, sugiro a leitura de Construções em análise (Freud, 1937);

3) Sobre a proposição da autora de que o crédito dado a Freud por ter descoberto o inconsciente é uma “quimera” (p. 195), numa tentativa de desqualificar o mérito do pai da psicanálise, sob o argumento de que já em Leibniz havia a ideia de um inconsciente no “cérebro” (p. 195), é notório que essa ideia não existia apenas em Leibniz, mas, também, em Breuer, Janet, Schopenhauer, Herbart, etc. O motivo pelo qual se atribui (não só os psicanalistas) a Freud a descoberta do inconsciente (dinâmico) é o mesmo pelo qual atribui-se a Darwin a descoberta da Evolução das Espécies, ideia que já existia desde a Antiguidade (o avô de Darwin, por exemplo, era um evolucionista e Darwin apresentou sua teoria junto com outro autor: Alfred Wallace), qual seja: pelo conjunto probatório, sistematização, teorização,  profundidade e originalidade com a qual os fatos são interpretados, e não por ter sido o primeiro a abordar o tema.

4) Na página 183 do livro, encontramos a seguinte passagem: “Essas terapias [psicodinâmicas] arrogam-se uma posição privilegiada na hierarquia do conhecimento clínico, argumentando que suas elaborações teóricas e práticas clínicas encontram-se fora – de fato, acima – do alcance da ciência”. Porém, Freud considerava a psicanálise uma ciência, portanto, não poderia tê-la colocado acima da ciência; o mesmo valendo para seus seguidores.

5) Já a afirmação de que “Também é falsa a ideia de que as ciências ditas “hermenêuticas” ou interpretativas dispensam regras e não buscam produzir leis gerais” (p. 187), não traz qualquer clareza sobre qual teria sido o ramo da psicanálise aludido ou qual psicanalista teria feito a afirmação. Contudo, não podemos reconhecer a postura de dispensar regras e a ausência da busca de leis gerais como fazendo parte de nossa ciência.

6) Ainda na página 187 é dito que: “Esse inconsciente – que já foi comparado a uma “mente paralela” ou “calabouço” – seria um repositório para onde a mente baniria os desejos inconfessáveis, pensamentos vergonhosos…” (p. 187) Grave equívoco. Na verdade, trata-se do contrário. O inconsciente freudiano se ampara exatamente em concepção oposta, motivo pelo qual o autor abandonou a teoria dos Estados Hipnoides, de Breuer, e nunca aceitou utilizar o termo subconsciente. O sujeito freudiano se constitui num movimento dialético entre o consciente e o inconsciente (como sistemas). Para melhor compreensão do assunto, sugiro a leitura do capítulo sobre o Sujeito Freudiano, no belíssimo livro do psicanalista americano Thomas Ogden, chamado Os sujeitos da psicanálise.

7) A menção de que os psicanalistas “subestimam” (p. 191) que suas inclinações teóricas, opiniões políticas e preconceitos podem influenciar o paciente indica incompreensão ou desconhecimento do conceito de contratransferência, que se tornou terreno comum de todas as linhas de pensamento psicanalítico.

8) Sobre repressão a autora diz que “Do ponto de vista dos estudos modernos sobre o funcionamento da memória, todo o conceito de repressão é problemático. Primeiro, porque sabemos que as memórias não são exatamente registradas, como arquivos num hard-drive, mas reconstruídas cada vez que as evocamos – e muitas dessas reconstruções incluem interferências de outras memórias, ou mesmo da imaginação…“ (p. 195 – 196). E em seguida: “Mesmo quanto partes do suposto conteúdo reprimido parecem vir à tona durante um processo terapêutico, não há como distingui-lo de fabricações imaginárias.” (p. 196). Essa concepção da repressão está radicalmente errada. Portanto, vale esclarecer: Freud deixou de acreditar na fidelidade do registro das memórias em 1897, e não há um único psicanalista que não saiba que toda lembrança é uma mistura de fatos e imaginação. Sugiro que a autora se inteire sobre o conceito de fantasia.

9) A autora, sabendo que poderia ser questionada e confrontada de que seus ataques e infundados argumentos seriam frutos de “recalques”, se antecipou e trouxe o tema para discussão, só que com um sinal de negativo, ou seja, com a não alcançada intenção de convencer que os ataques não seriam fruto de recalque. Acontece que a psicanálise também tem um conceito próprio para esses casos nos quais o “recalcado” se permite aparecer, desde que precedido de um sinal de negação. Poderia ser útil à autora a leitura e o estudo de A Negativa (Freud, 1925). Também poderia se inteirar sobre a diferença entre estar consciente no sentido descritivo e no sentido dinâmico. Portanto, sim, acreditamos e continuaremos a acreditar que ataques carregados de ódio, depreciativos e sem fundamentação ou base científica podem, sim, estar amparados em motivações inconscientes.

É importante lembrar que a psicanálise nasce da incapacidade dos métodos tradicionais em oferecer respostas às doenças mentais. Não que não tenha se tentado descobrir a fisiologia e a anatomia do inconsciente, mas as tentativas fracassaram. É justamente porque o método tradicional não alcança a compreensão dos fenômenos mentais que os métodos hermenêuticos são necessários. Não esqueçamos que o movimento iniciado pela psicanálise retirou do limbo uma infinidade de doentes mentais que eram desprezados por cientistas para os quais o inconsciente não existia, e que lidavam com esses pacientes com base no ultrapassado e desumano pensamento de que se a ciência deles não os entende, então eles não estariam doentes, seriam fraudes.

A discussão sobre o nível de cientificidade das ciências humanas é antiga e pertinente, e jamais nos furtamos de enfrentá-la. Desconheço, contudo, declaração de que a psicanálise esteja acima das ciências naturais ou que seus métodos sejam os mesmos. O que se necessita são trocas de ideias com atitude de respeito pelo saber constituído, lidar com preconceitos e mente aberta para todos os campos do conhecimento.

Buscamos aqui exatamente isso: esclarecer algumas das inconsistências encontradas e apontar nossos pontos de vista sobre o assunto. Duas coisas chamam a atenção no referido livro: o nível de violência dos ataques da autora e as falhas científicas e acentuado desconhecimento da mesma sobre a matéria a que se propôs debater e depreciar. Nenhuma delas combinam com uma postura científica.  

 

Guilherme Magnoler Guedes de Azevedo é membro filiado ao Instituto Durval Marcondes da SBPSP. Cartunista roteirista dos quadrinhos cômicos “Arthurzinho, Antibiótico e os Psicanalistas”, encontrados no instagram: @guimagaz.  

Imagem: Shutterstock (n. 711172813)

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.    



Comentários

16 replies on “Sobre as conclusões de Natalia Pasternak em seu último livro”

Wilfredo Santos disse:

Excelente texto !
Parabéns!
A autora tem sido extremamente agressiva com tudo que se propôs denegrir e sempre demonstra total ignorância dos temas sobre os quais escreve. Uma ignorante. Mais um desserviço à Ciência

RODOLFO FERNANDES DE OLIVEIRA disse:

Gostei da análise.
Sou médico e exerço homeopatia desde 1985.
A Bióloga Natália Pasternack quer analisar tudo pelas técnicas de estatística bioquímicas. A atuação da homeopatia não é bioquímica. Leva em conta as diferenças individuais. Nosso objetivo é o sujeito e não a doença. Os nossos resultados clínicos são bons. Abandonei a Alopatia porque tenho melhores resultados com homeopatia. Mas a cientista Pasternack quer acabar com todas as terapias não bioquímicas. Milhares de pacientes de beneficiam com Acupuntura, Psicanálise, homeopatia.
Muito obrigado pelo seu texto.

Dina Marchesini disse:

Excelente
Esclarecendo tantas “ bobagens” citadas no livro da Pasternak, trazendo as evidências equivocadas pela ignorância da autora em várias citações.

Alexandre Mazak disse:

Existem psicanalistas que praticam também reiki, jogam tarô, paticam hipnose (inclusive on-line). Eu creio que falte à psicanálise uma regulamentação maior. Há muita picaretagem na área. Só me pergunto o que seria da psicanálise se ela se regulamentasse. Se haveria espaço para ela (não estou sendo irônico, não tenho mesmo a resposta).
Outra coisa que me incomoda é que a contra-argumentação em geral é sempre construída partindo da teoria psicanalítica, o que me faz perder um pouco a credibilidade nela.
Estou apenas comentando, não tenho uma opinião clara a esse respeito. Li o livro da Pasternak e esse texto aqui e estou tentando entender.

Adriano Silva disse:

A psicanalise possui controle sim; uma pessoa que se torna psicanalista demora pelos menos uns 6 anos para completar o curso. As vezes ate mais. Essa historia de que tem gente que joga taro; bom tem muita gente ai que se diz medico e tbm e charlatao. Existem muitos artigos atualmente mostrando que a psicanalise possui sim efeitos beneficos; inclusive em doenças como a depressao. Alem disso, neurologistas como o Sidarta Ribeiro ja comprovaram em laboratorio algumas teorias de Freud.

Beto Daniel disse:

Na entrevista que concedeu à Globo News, a autora diz que o termo “pseudociência” não é pejorativo, mas nada pode ser mais desrespeitoso que o título do livro “Que bobagem!”. Além de desconhecer a Psicanálise e psicologia, que não são de sua área, ela também é incoerente e polarizadora. Tudo que a sociedade está cansada.

Luís Bustamante disse:

A respeito da primazia na descoberta do inconsciente, Freud escreveu nas Conferencias Introdutórias (edição Imago, p. 305): “Toda descoberta é feita mais de uma vez, e nenhuma se faz de uma só vez”.

Carlos disse:

Falta tanto neste texto para ele ser minimamente algo em um discussão de verdade que… me dá pena cartunista!

Marco Antonio disse:

Que pena, Carlos

Jorge Gabriel de Carvalho Noujaim disse:

Eu leio sobre psicanálise desde minha pré adolescência, tive 4 psicanalistas, dois eram 1 era ligado a IPA e 3 eram lacanianos, já que participei da fundação da primeira instituição lacaniana no Brasil, porem apenas 2 1 da internacional e outra lacaniana me ajudaram.
Tem muitas pessoas que gostam de se nomear psicanalistas por vaidade.
Existem muitas questões a se debater sobre a clínica.

Jayme Siqueira disse:

Acredito que aos autores do Livro “Que Bobagem” , estão tentando e conseguindo palco para assuntos que não tiveram experiência e tão pouco vivencia de campo… engrossar discurso desqualificando seja qualquer coisa, fora de seu domínio é ter dúvida quanto a sua atuação profissional. Se colocar mais sábio ou donos da verdade os deixam com telhado de vidro e com dúvidas públicas quanto as suas “respeitáveis colaborações para ciência”

Rosangela Cerbino Volponi Lucchesi CRM 40443 disse:

Sou medica pneumologista( Especialidade) e Broncoscopista( Area de atuação)tenho Título de Especialista pela USP e formada pela F.C.M. da Santa Casa em 1980!Atuei em Broncospia e Pneumo por 32 anos e de tanto tratar e diagnosticar Cancer de Pulmão e DPOC em Fumantes; resolvi atuar no psicologico ( TCC e Hipnose) assim com a Acupuntura Medica( tenho Título de Especialista tb pela AMB) para o Tratamento do Tabagismo com resultados muito melhores se só usasse a farmacologia!A ” doutora” é consultora da Jansen? Tem Conflito de interesse?Se não, deveria fazer um puoco de Análise Psicoterapêutica,para descobrir suas” Sombras” e passar por umas Sessões de Acupuntura Medica,para liberar endorfinas endógenas(mecanismo já provado na Medicina Baseado em Evidência,que ela e seu marido tanto defendem no Tratamento da Dor Crônica!A Falta de Evidência Cientifica( Estudo Cochrane) NÃO significa Falta de Eficiência!Quanta agressividade e ignorância científica!

Iza Gomes da Cunha Chain disse:

Sou psicóloga e vale ressaltar que a bióloga não atentou para o importante fato de que Freud era médico Neurologista e não encontrou no arcabouço científico da Medicina daquele momento histórico práticas que diminuíssem o sofrimento psíquico daqueles que chegavam até ele. Excelentes as referências bibliográficas no texto!

Marianita Requião, Psiquiatra e Psicanalista disse:

Essa “dotora” não tem a menor ideia do que seja uma pesquisa científica. Tem o desplante de, junto ao seu igualmente ignorante companheiro, falarem de um tema que não têm o menor conhecimento, baseados em publicações também sem estofo científico. Ela provavelmente se beneficiaria com sessões de psicanálise pelo menos 3 vezes na semana, mas jamais vai fazê-lo. A busca de um analista é feita, espontaneamente, pelo indivíduo que, em sua angústia, interroga-se sobre sua posição de sujeito. A referida “dotora” e sua turma de nada disso quer saber. Nós psicanalistas estamos acostumados a esse tipo de resistência à psicanálise que se expressa por ataques a tão importante descoberta.

SANDRA ANTONIA FANUCCI MORAES DE ALMEIDA disse:

Seu texto é um tratado de respostas embasadas corretamente, nos pressupostos de Freud e sobre tudo o que devemos ler/reler/refletir e ressignificar, sempre que necessário! Agradeço e cumprimento a sua generosidade!

Micheline Andrade disse:

Texto de excelente qualidade, muito explicativo e bem fundamentado. Obrigada por compartilhar conhecimento baseado na verdade. Isso faz A diferença.
Além de querer aparecer pelo negativo (e conseguiu), Natalia deveria ler sobre desamparo, inveja e, principalmente, fazer análise.
Parabéns pelo texto.

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