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A Psicanálise depende de que tipo de comprovação?

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Compartilho com todos a indignação com o tom sarcástico e por momentos raivosos com o qual Natalia Pasternak critica a psicanálise. É de fato desrespeitoso, pessoal e merece uma resposta tanto institucional quanto individual. O que vou comentar a seguir pode gerar desagrado de alguns. Peço perdão de antemão se isto acontecer. E a meu favor tenho apenas a dizer que meus comentários são inspirados por metade de minha vida dedicada à militância política tanto no Brasil quanto no Chile e na França, países onde morei por anos, durante os anos de chumbo. Venho de uma família de militantes esquerdistas e sou filho de um pai que morreu devido a um ataque do CCC, fartamente documentado. Dito isto, meu desagrado com o tom da Dra. Pasternak é imenso, mas fico chocado com a fúria de nosso lado dirigido a ela. Natalia foi uma voz fundamental no combate ao obscurantismo, desmandos atitudes anti ciência, descalabro com a educação etc., durante a pandemia. Na esquerda, sempre fui partidário de frentes amplas que incluíam grupos que pensavam diferente da esquerda democrática em muitos ou em alguns pontos. O que nos une, nós democratas antitotalitários, é um programa mínimo comum. Precisamos nos unir às pessoas como Pasternak naquilo que temos em comum.  Não cabe ataques pessoais e odientos a ela. E também é preciso parametrizar nossa discordância dela. Não gostamos do tom sarcástico e às vezes subliminarmente “odiento” das críticas e nem da falta de informação que ela tem sobre Freud como indivíduo e pensador. Devemos sim responder radicalmente ao que ela escreveu.

Agora já de outra perspectiva, tenho dificuldade de entender a indignação com a afirmação de que a psicanálise não é uma ciência como a física, química e eventualmente a biologia. Não é mesmo e não há porque os analistas se sentirem diminuídos por isto.

Não pretendemos ser avaliados por medidas exatas, não trabalhamos com equações. É verdade que dentro de nosso campo, é difícil contradizer uma afirmação, uma teoria. Não somos donos de nenhuma verdade. Somos militantes das dúvidas, não somos guiados por certezas, graças a Freud e aos grandes nomes que o sucederam. Podemos dizer que Ferenczi estava “errado” e que Bion é quem está “certo”? Não! Mas podemos afirmar sem nenhuma dúvida que a Terra é esférica e que o terraplanismo está errado. Alguém de nós vai dizer que a produção literária da humanidade não é “científica”? E ao mesmo tempo não temos a menor dúvida de que as obras literárias fundaram o mundo desde seus inícios, mesmo quando as tradições eram apenas orais.

O mesmo pode ser dito da psicanálise. Mesmo não sendo “científica” nos moldes das ciências “duras”, a psicanálise forjou o mundo moderno tanto quanto as teorias evolucionistas e os experimentos sobre a partícula de Higgs operados pelo grande acelerador de Hádrons!!!! Insisto para que critiquemos radicalmente Natalia, mas sem ataques pessoais, sem desmerecê-la, sem considerá-la uma inimiga.

Mais um ponto. Li os artigos de Rogerio Lerner e de Guilherme Magnoler Guedes de Azevedo. Ambos são excelentes respostas bem fundamentadas. Como Guilherme apontou, o texto do livro está povoado de informações errôneas, falta de conhecimento e uma incompreensão profunda sobre a natureza do pensamento psicanalítico. Comento colateralmente a tirinha. Atos falhos são ATOS FALHOS, por serem emanações desejos expressos em formulações às vezes chulas, tiveram que ludibriar a censura. Atos falhos em si, são sempre “politicamente” incorretos e do ponto de vista do superego, imorais. Respeito profundamente a indignação das mulheres em relação às expressões chulas dirigidas a elas. Devem ser combatidas em todas suas manifestações sociais. Mas quando estas vêm do inconsciente, precisam ser compreendidas tanto em sua gênese individual quanto social. Assim, porque certos desejos inconscientes desqualificam a sexualidade feminina? A resposta a esta questão dirá muito sobre os elementos que sustentam a masculinidade masculina daquele indivíduo (se for da parte de um homem ou de homens) e mesmo de mulheres cujos inconscientes expressam desejos legítimos de forma desqualificadora da própria sexualidade.

Quanto ao artigo de Rogerio Lerner: excelente em sua argumentação, ponderada, respeitosa e de alta qualidade acadêmica, como tem sido todo o trabalho deste professor. Só queria fazer uma adição. Mesmo que os psicanalistas não pudessem provar a eficácia da psicanálise do ponto de vista clínico, de seus resultados, por imensas dificuldades metodológicas que este tipo de prova requer, ela (a Psicanálise) ainda seria eficaz como teoria e sua aplicação clínica se justificaria. Ideias psicanalíticas moldaram em parte tanto quanto a teoria evolucionista, o século XX, a Educação, a maneira de cuidar das crianças, dos pacientes que são considerados psicóticos, influenciou a própria teoria do conhecimento, a filosofia etc..

Proponho um tema para reflexão. Por que existem grupos e pessoas, alguns cientistas que se voltam tão apaixonadamente contra as ciências humanas? Contra as artes e os artistas? Por que a ênfase na importância das ciências duras é incompatível com as ciências ditas humanas? Será que a Física, a Química e a Biologia não se beneficiaram do Humanismo? Recentemente tivemos um governo que quase destruiu a pesquisa científica no Brasil, desfigurou o CNPq, colocou-se contra as pesquisas médicas, destruiu o Ministério da Cultura, desqualificou desde cientistas importantes até artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso para citar apenas alguns. Ignorar as práticas humanistas resulta no obscurantismo que afeta inclusive a prática das Ciências ditas duras.

Para finalizar recomendo a leitura dos artigos sobre a dificuldade dos analistas debaterem ideias publicados no volume 104 Issue 1 do International Journal of Psychoanalysis. Muitos me aconselharam a não intervir neste debate, diziam que além de inútil eu também seria atacado, “cancelado”, mas minha consciência se inquietou com meu silêncio. 

Elias Mallet da Rocha Barros é analista didata da SBPSP. Foi eleito distinguished fellow da Sociedade Britânica de Psicanálise e de seu Instituto. Foi recipiente do prêmio Sigourney Award. Editor para a América Latina do International Journal of Psychoanalysis. Cochair para a América Latina do Dicionário Enciclopédico da Associação Internacional de Psicanálise. Membro do Conselho Editorial do Psychoanalityc Quarterly, da Revista Italiana de Psicanálise, da Revista Uruguaia de Psicanálise, da revista Calibán da Fepal e do The International Journal of Psychoanalysis

Imagem: Shutterstock n. 1441254722 

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.    



Comentários

2 replies on “A Psicanálise depende de que tipo de comprovação?”

Luciana Saddi disse:

Elias, gosto muito da ideia que vc apresenta sobre a teoria da evolução de Darwin relacionada ao método de investigação. A psicanálise tem um método próprio, cada ciência cria seu objeto e seu método. Que prossigamos dialogando!!

LARISSA MACHADO DE SOUZA disse:

Se podemos provar do ponto de vista teórico, podemos fazer um curso superior em Psicanálise.
A Uninter é o primeiro centro universitário a nos proporcionar isto.

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