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A importância da noção de apoio na teoria freudiana

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* Eduardo Zaidan 

Um conceito de suma importância na teoria das pulsões de Freud é o apoio (anaclisis, na tradução de Strachey).

Este conceito aparece nos Três ensaios, quando Freud escreve que: “Assim como a zona labial, a localização da zona anal a torna adequada para favorecer um apoio da sexualidade em outras funções do corpo” (Freud, 1905/2016, p. 91).

Na terceira edição dos Três ensaios, em 1915, Freud afirma que: “No começo, a satisfação da zona erógena estava provavelmente ligada à satisfação da necessidade de alimento. A atividade sexual se apoia primeiro numa das funções que servem à conservação da vida, e somente depois se torna independente dela” (Freud, 1905/2016, p. 85-86). Isto é, inicialmente havia uma necessidade de nutrição, da qual a necessidade de repetir a satisfação sexual se descola (Freud, 1905/2016, p. 86).

Nessa mesma edição, Freud adiciona que uma das características essenciais da manifestação sexual infantil é que “surge apoiando-se numa das funções vitais do corpo […]” (Freud, 1905/2016, p. 87).

No segundo artigo sobre a Psicologia do amor, Freud pontua que: “As pulsões sexuais acham seus primeiros objetos apoiando-se nas avaliações das pulsões do Eu, exatamente como as primeiras satisfações sexuais são experimentadas apoiando-se nas funções corporais necessárias à conservação da vida” (Freud, 1912/2013, p. 349-350).

Freud voltará a discutir a noção de apoio em Introdução ao narcisismo, para apresentar a escolha de objeto por apoio. Neste caso, percebe-se que o sujeito se apoia no objeto das pulsões de autoconservação para a escolha de um objeto de amor (Freud, 1914/2010, p. 31-32). Ou seja, a mãe que nutre e o pai que protege – os objetos das pulsões de autoconservação ou pulsões do Eu – serão os modelos da escolha do objeto de amor (Freud, 1914/2010, p. 36).

Mas qual é, afinal, a importância desse conceito que foi negligenciado por parte significativa da psicanálise pós-freudiana? Laplanche e Pontalis (1967/2001) resgataram o conceito de apoio para assim evitar a ideia de uma sexualidade endógena, natural, uma vez que, com a noção de apoio, se assegura a origem infantil e intersubjetiva da pulsão.

Em outras palavras, a sexualidade se desenvolve na relação com um outro – esta ideia é elementar.

Portanto, não se trata de negar o instinto, nem de que este tem um objeto natural, como por exemplo a fome, mas de que a pulsão, apoiada no instinto, se descola deste. Este é um dos pilares da teoria das pulsões de Freud: a pulsão não tem um objeto a priori, o que significa que o desejo, diferentemente do instinto, não é natural.

Se o desejo não é natural, é porque não está presente no nascimento, mas é animado na vivência de satisfação. O desejo, portanto, corresponde a um impulso psíquico que anseia a repetição da situação da primeira satisfação (Freud, 1900/2019, p. 617-618).

O sexual, no sentido freudiano, por conseguinte, não pode ser confundido com o instinto ou com qualquer função biológica.

Freud revolucionou a concepção de sexualidade ao afirmar o polimorfismo sexual na criança (Freud, 1905/2016, p. 98). Sobre isso, escreve Lacan: “Desde os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud pôde colocar a sexualidade como essencialmente polimorfa, aberrante” (Lacan, 1964/2008, p. 174).

Esta revolução na maneira de compreender a sexualidade humana é um verdadeiro novo aporte ético. A concepção científica da sexualidade, no século XVIII, assumia que a sexualidade era o instrumento biológico da propagação das espécies. Para esta concepção, a sexualidade teria uma função biológica (Monzani & Bocca, 2015, p. 22).

A psicanálise freudiana é uma subversão dessa compreensão dita “científica”, na medida em que entende o desejo como um circuito paralelo e independente do biológico. Portanto, a sexualidade humana não tem nada a ver com o instinto reprodutor, com o qual a pulsão pode eventualmente se encontrar, mas não necessariamente (Monzani & Bocca, 2015, p. 41).

É preciso reiterar que a leitura da sexualidade infantil como perversa polimorfa é mais do que um aporte conceitual, é um aporte ético. Isto significa que, na clínica psicanalítica, não há lugar para a patologização do desejo, uma vez que a pulsão é independente de qualquer função biológica.

Este é um dos cernes da clínica psicanalítica: a oposição conceitual e ética a qualquer clínica normatizante do desejo.

 

Referências

Freud, S. (1900). A interpretação dos sonhos. Obras completas, volume 4. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Freud, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Obras completas, volume 6. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

______. (1912). Sobre a mais comum depreciação na vida amorosa (Contribuições à psicologia do amor II). Obras completas, volume 9. São Paulo: Companhia das letras, 2013.

______. (1914). Introdução ao narcisismo. Obras completas, volume 12. São Paulo: Companhia das letras, 2010.

Lacan, J. (1964). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Laplanche, J. & Pontalis, J.-B. (1967). Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Monzani, L. & Bocca, F. Novo aporte ético em face da concepção freudiana da sexualidade. Ipseitas, São Carlos, vol. 1, n. 1, p. 21-44, jan-jun, 2015.

 

* Eduardo Zaidan é psicanalista, membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP.

 

Imagem: Sigmund Freud (Domínio Público) 



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