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Psicanálise e Educação: construção de conhecimento, subjetividade e performance

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Qual as interfaces entre Psicanálise e Educação? Em que pontos elas se encontram? Como permitir que a realidade de fantasias da criança não se perca diante da necessidade de aquisição de conhecimento científico? A lógica racional é incompatível com o universo da imaginação infantil?

De perspectivas diferentes, a Educação e a Psicanálise se ocupam do desenvolvimento humano e o diálogo entre as duas áreas tem se mostrado cada vez mais profícuo. A construção do conhecimento e a constituição subjetiva são processos que se comunicam, ao longo do crescimento. Daí a importância de refletirmos sobre essa interface.

Essas e outras questões serão debatidas na 4ª Jornada de Psicanálise e Educação, no dia de 27 de setembro, na sede da SBPSP.

Para quem quiser saber mais, leia abaixo a ótima conversa que tivemos com as psicanalistas e membros da SBPSP, Heloisa Ditolvo, Marina Bilenky e Silvia Deroualle, coordenadoras da Jornada.

1 – Por que uma jornada que reúne os temas psicanálise e educação?

A psicanálise e a educação são áreas de estudo que abordam questões que possuem intersecções. Ambas se interessam pelo desenvolvimento humano, partem de diferentes  perspectivas, porém dialogam muito bem, por entenderem a necessidade de se cuidar e de se criar condições favoráveis para que este desenvolvimento aconteça.

2 – Quais as principais interfaces entre ambas?

A escola está ocupada com a construção do conhecimento, formação da cidadania e da ética, de um ser social e criativo. A escola funciona como mecanismo de transmissão da cultura.

A psicanálise vai criar um campo de busca de conhecimento do sujeito, de suas demandas pessoais. Para isto, precisa pensar o indivíduo dentro de sua realidade, interna, e da realidade social, externa, para que possa instrumentalizar esse indivíduo portador dessa cultura, a ser reflexivo, crítico, pleno de suas potências, criativo.

Partindo de direções opostas, ambas procuram entender e trabalhar com o ser humano que vive dentro de uma cultura que lhe é própria.

3 – Do ponto de vista da psicanálise, como se dá a construção do conhecimento?

Diante de uma novidade, o sujeito passa por um processo de desestabilização. A partir desse desequilíbrio, ele precisará elaborar a nova informação, integrá-la ao conhecimento que já havia adquirido, atingindo uma nova estabilização, agora transformada e enriquecida.
Para que esse processo ocorra, o sujeito, num primeiro momento, precisa suportar manter-se num estado de não saber para, em seguida, encontrar um sentido e um lugar para este novo conteúdo, que passa a fazer parte do conjunto de conhecimentos que ele possui.
As informações recebidas precisam vir acompanhadas de significado para quem as recebe, e a partir daí se vinculam afetivamente ao sujeito. Esse patrimônio vai sendo constituído a partir de permanentes rupturas dos antigos saberes.

4 – Como ensinar uma criança a pensar, do ponto de vista da lógica racional, sem que ela perca aquilo que é da ordem da imaginação e do sonho?

Até mais ou menos 7 anos, a criança vive num mundo de fantasias. É a partir de sua imaginação, sonhos, brincadeiras e projetos que ela experimenta o mundo e vai construindo a realidade. O adulto deve aceitar o funcionamento da criança, partir da lógica que existe na fantasia para ensinar a lógica racional. Ao invés de dizer que algo é “besteira” ou errado, tentar compreender qual a lógica que norteou aquela resposta, para então apresentar outras possibilidades.

Por exemplo: uma criança, ao executar sua tarefa de escola em que lhe foi pedido desenhar 3 frutas diferentes na tigela, desenha 7 frutas.  A professora pode garantir o conhecimento aritmético de unidades, e também descobrir junto com seu aluno qual o sentido das outras 4 frutas que ele espontaneamente acrescentou à tarefa pedida. Dessa maneira, pode perceber se há ou não alguma outra lógica na resposta da criança, sem a necessidade de taxar a resposta de errada sem investigação.

5 – É possível conciliar o pensamento infantil com o conhecimento científico?

Quando Isaac Newton descobriu como a refração da luz branca solar incidindo na  atmosfera úmida provoca o arco-íris, não retirou a surpresa e o encanto que nos provoca a visão das cores que se descortinam diante de nossos olhos. Nem tampouco desfez  a fantasia de que o arco-íris ao tocar o chão, indica o local exato de onde se encontra um baú repleto de tesouros.

6 – Como evitar “enquadrar” o pensamento infantil e perder suas melhores qualidades?

Evitando dar  regras que formatem o curso do pensamento e taxar de erradas respostas que não se enquadram ao modelo de forma imediata.

Meltzer, psicanalista, afirma que nossa mente tem a função de gerar metáforas para podermos escrever a poesia e pintar o quadro de um mundo repleto de significados das nossas paixões relacionadas às belezas do mundo.
Essas metáforas são essenciais para o pensamento, são a expressão do desenvolvimento do simbólico, das associações, matéria prima para o aumento da capacidade de elaboração e consequente compreensão do mundo.

7 – Como manter e até incentivar a narrativa infantil e conciliá-la com a necessidade do discurso científico?

Garantindo situações que favoreçam a liberdade de perguntar, de exercer a curiosidade. É essencial sermos sujeitos da nossa experiência. Há que se garantir o projeto, a experimentação, o engano, a dúvida, o erro e a reparação, para podermos nos lançar em outras experiências. Quando somos autorizados a expressar ideias e a refletir, quando sentimos que nosso pensamento tem valor, continuamos formulando novas perguntas e demonstrando interesse em aprender novas formas de pensamento, inclusive o discurso científico.

A arte, o sonho e a fantasia são elementos que enriquecem a concepção do humano, ilumina e dá valiosas contribuições no sentido de suportarmos o impacto do cotidiano da vida. Quando isto está minimamente garantido, o indivíduo tem condições intelectuais e emocionais de lançar-se na aventura do conhecimento científico.

8 – Como conciliar a construção adequada de conhecimento com as necessidades do mundo atual, que exige, de todos, altas performances?

Será que podemos conciliar estas realidades? A exigência de eficiência a toda prova vai na contramão da construção de conhecimento tal como viemos tratando até aqui. A velocidade dos acontecimentos, a demanda por absorver inúmeras e tão variadas informações, objetivo praticamente impossível de ser cumprido, nos coloca num estado de insatisfação crônica que nos leva ao sentimento de estarmos permanentemente devendo ou de sermos insuficientes.

Nossa natureza carece de tempo e espaço para sentirmos, pensarmos, e refletirmos para compreendermos o que se passa dentro e fora de cada um de nós.

Talvez a saída para esse impasse seja uma reflexão profunda a respeito de  qual aspecto deve ser priorizado em cada etapa do processo educacional.

9 – O que dizer do alto índice de medicalização que existe entre as crianças e os jovens atualmente?

A medicalização precisa ser entendida como uma ferramenta auxiliar e não como a solução de todos os problemas e dificuldades que precisam ser enfrentados.

Em recente pesquisa constatou-se que, nos últimos 3 anos, houve um aumento de 775% no uso de Ritalina para crianças  e adolescentes em São Paulo. Precisamos analisar estes números para pensar se estamos nos defrontando com uma atitude de banalização da medicação ou se isso se deve à melhoria nos diagnósticos do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Esta é uma das perguntas que esperamos poder responder durante a Jornada.

Heloisa Helena Sitrângulo Ditolvo é psicanalista e membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Marina Kon Bilenky é psicanalista e membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) 

Silvia Martinelli Deroualle é psicanalista e membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) 

 



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