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A tragédia produzida pelo copiloto suicida

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Acontecimentos trágicos que colocam em evidência a violência humana fogem, muitas vezes, à nossa compreensão. O acidente aéreo da semana passada, após constatada a atitude consciente e deliberada do copiloto de derrubar o avião, passou a integrar esse rol de eventos para os quais, simplesmente, não encontramos explicações. A reflexão que segue abaixo, da psicanalista Elizabeth da Rocha Barros, não tem pretensão de explicar os motivos que levam uma pessoa a fazer isso, mas traz algumas hipóteses que nos ajudam a ver um pouco além do “ato de loucura” tão evidente em uma primeira avaliação.

A tragédia produzida pelo copiloto suicida

Por Elizabeth Lima da Rocha Barros*

Nesta semana ficamos chocados com a tragédia nos Alpes Franceses e nos demos conta de nossa vulnerabilidade. Dorrit Harazim escreveu no Globo desse domingo um excelente artigo sobre essa tragédia. Nos dizeres de uma jornalista francesa Alexandra Schwartzbrod “O Homem vence a Máquina.” Por mais avanços tecnológicos que consigamos desenvolver, estamos ainda à mercê do Homem com todas as intercorrências do significado do Humano.

No que nós analistas podemos contribuir para as inúmeras discussões que estão surgindo?
Desde o primeiro momento em que escutei sobre a TRAGÉDIA me lembrei dos adolescentes do Massacre de Columbine que mataram tantos jovens. Essa tragédia teria sido muito maior se os assassinos tivessem conseguido derrubar o teto da Escola, como era a sua intenção naquele dia. Nesse caso teriam morrido 600 alunos! Soubemos depois pela reconstrução de suas vidas que além de todas as dificuldades emocionais, predominava o sentimento de humilhação e inferioridade, despertadas por situações de bullying e desencantos amorosos. A impossibilidade de conviver com esses sentimentos foi o combustível de uma terrível vingança. Com esse ato parecem estar dizendo: seremos importantes, temidos e para sempre lembrados nessa morte/ assassinato/ suicídio grandioso em que a dor sentida pelas vítimas do bullying é transformada em um ato visando produzir uma dor imensa em todos os outros vitimados pela tragédia. A fragilidade se transforma em onipotência, a impotência em uma potência mortífera que deixa uma terra arrasada por mortes e sofrimentos que não terminarão nunca, a não ser com a própria morte.

Hoje temos mais informações sobre Lubitz. Essa minha associação com Colombine se confirma.
O medo de não vir a ser alguém, ou melhor, de sentir-se ninguém, o ser a não-pessoa, nos dizeres de Hanna Arendt, parece ser o centro do núcleo mental de Lubitz.

Dorrit relembra o ditado: “a mente é um excelente criado mas um tenebroso mestre”.

Lubitz só pôde se sentir sendo alguém, segundo sua versão mistificada, ao espatifar o avião contra a rocha. A não-pessoa se alimenta desse combustível de vingança e excitação silenciosa e calma, como sua respiração, para se sentir momentaneamente existindo com o poder de matar a todos e causar um enorme impacto de dor em todos e assim surpreender o mundo.

Há muitas discussões de medidas para prevenir tragédias como essas. No entanto, sabemos o quão difícil é prevenir atos individuais voltados para a destruição, pois o homem pode sempre encontrar uma maneira de impingir dor e sofrimento aos demais. Claro que a presença de outra pessoa na cabine irá ajudar a prevenir esse tipo de ato suicida por parte de pilotos. Creio que nós, analistas, deveríamos ser capazes de ajudar a sociedade como um todo a identificar aquelas situações que trazem em seu bojo o potencial de gerar vários Lubitz .

* Elizabeth Lima da Rocha Barros é membro e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).



Comentários

3 replies on “A tragédia produzida pelo copiloto suicida”

Republicou isso em Psicologia, Carreira & Vocaçãoe comentado:
Texto interessante da Elizabeth Lima da Rocha Barros, membro e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).

Vale a pena conferir!

Ana Lúcia dos Santos disse:

Excelente reflexão sobre tamanha tragédia. Gostaria apenas de chamar a atenção, na tentativa de somar, para um outro lado, talvez marxista e biológico do humano. Há uma banalização das condições de trabalho de um contingente enorme de trabalhadores. Qual a responsabilidade da empresa em promover e cuidar da saúde dos trabalhadores? Quais os efeitos do fuso horário, do trabalho em turnos alternado? Os pesquisadores do ciclo vigília-sono, dos ritmos biológicos tais como; ritmo circadianos, infradianos e ultradianos tem colaborado muito com a divulgação dos malefícios causados pela privação de sono entre eles a insanidade… Diante de tamanho horror e vulnerabilidade muitas perguntas me ocorrem entre elas sobre a sociedade capitalista e sua imensa desvalorização da vida em prol do lucro.

Munira m. bazzi Akrouche disse:

Agradeço pelo rico texto, construiu um sentido psicanalitico para a tragédia. poderíamos dizer que uma mente venceu a tecnologia.Excelente!!!

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