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Melanie Klein e sua contribuição para a Psicanálise

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Liana Pinto Chaves*

Há 136 anos, nascia em Viena, em 30 de março de 1882, Melanie Reizes, que viria a se tornar uma das mulheres mais influentes da história da Psicanálise e, por que não dizer, da história do pensamento. A tripeira genial, no dizer de Lacan, por conta da crueza dos termos que empregava em seus relatos clínicos; o gênio feminino, no dizer de Julia Kristeva, que dedicou a essa mulher, que marcou a história do século XX, um livro cheio de admiração.

Foi a caçula de uma prole de quatro filhos. Seu pai, médico, provinha de uma família judia ortodoxa, da qual se afastou em razão da rigidez dela. A mãe, uma mulher bonita, culta, espirituosa e interessante. Segundo a própria MK havia na casa uma necessidade ardente de conhecimento. Essa ânsia por conhecimento ocupou um papel central no seu pensamento.

A morte de pessoas queridas pontuou sua vida desde muito cedo e teve grande importância na sua teorização. Perdeu a irmã Sidonie quando ela própria tinha 4 anos; o pai quando tinha 18 anos; o irmão querido, Emanuel, quando ela tinha 20 anos e o filho, Hans, quando MK tinha 52 anos. Seu artigo fundamental ‘O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos’, de 1940, por exemplo, é uma contribuição definitiva sobre a perda e o luto, um decantado de muitos anos de reflexão.

Não cursou a universidade, como era seu desejo, por se casar muito cedo, aos 21 anos, e já com 22 ter a primeira filha. Viveu em Budapest, onde leu Freud pela primeira vez. Sentindo-se aprisionada em sua condição de mãe e mulher e num casamento insatisfatório, buscava algo que a satisfizesse intelectualmente e emocionalmente. Entrou em análise com Sandor Ferenczi, que viu nela alguém muito promissor para desbravar o território desconhecido da análise de crianças. Começou analisando os próprios filhos, algo que não era incomum naqueles tempos.

A condição feminina e seu papel de mãe, aliados a uma intuição aguda, um faro, um olhar, ouvidos, e uma particular sensibilidade à angústia e ao sofrimento das crianças, conferem à mãe um lugar central como objeto primário na constituição do psiquismo segundo o seu pensar. Logo em seguida, muito cedo, entra o pai, formando o casal parental e toda a sua concepção do Édipo arcaico. Desenvolveu a técnica da psicanálise de crianças, considerando o brincar como equivalente ao papel dos sonhos e das associações dos adultos. Ao olhar uma criança tolhida, inexpressiva ou cheia de medos e incapaz de brincar, indagava-se: por que esta criança não está brincando como poderia? O que a impede? E foi assim, enveredando para noções de fantasias muito agressivas em operação, levando ao estancamento do desejo de conhecer e à impossibilidade de se expressar.

No pensamento kleiniano, a emoção está no centro da cena e o fio que perpassa toda a teorização é o da angústia e da fantasia inconsciente. Por exemplo, a teoria das duas posições baseia-se na identificação de dois tipos fundamentais de angústia. A angústia persecutória própria da posição esquizoparanóide, e que é fundamentalmente a angústia de morte do eu, e a angústia depressiva da posição depressiva, que é o temor da morte do outro de quem o bebê depende. Este é um salto gigantesco do desenvolvimento, uma guinada, é a passagem de um tipo de lógica das relações para outro tipo de lógica, do eu para o outro.

Presta reconhecimento ao longo de toda a sua obra ao que a análise de crianças pequenas lhe ensinou. Sua observações clínicas a levaram a descobertas que não estavam contempladas pela teorização de Freud. Teve a coragem de se contrapor a ele, defendendo suas descobertas com vigor. Ela adiantou todo o calendário do desenvolvimento infantil. Postulou uma situação edipiana e a construção do superego como se dando muito antes do que previa a teoria clássica.

Considerava-se uma estrita seguidora de Freud e sua obra como uma expansão da obra dele e ressentia-se quando se via acusada de desviante. Adotou de imediato o conceito de pulsão de morte, ao contrário de tantos outros autores. A agressividade e a destrutividade, a pulsão de morte, presentes no seu trabalho sobre a inveja mais o conceito de cisão abriram caminho para a perspectiva de tratar os casos graves até então considerados intratáveis. E futuramente levaram a importantes contribuições de outros analistas para a compreensão da compulsão à repetição, das reações terapêuticas negativas, do narcisismo destrutivo, das organizações patológicas, dos refúgios psíquicos, etc.

Ao se mudar para Londres, em 1926, criou-se uma discussão ferrenha entre sua visão sobre a análise de crianças e a dos seguidores de Anna Freud. Durante os anos da segunda guerra mundial (1939-1945), tiveram lugar as grandes controvérsias (1942-1944) entre os seguidores de MK e os do grupo em torno de Anna Freud.  Os kleinianos se viram instados a responder a desafios teóricos para justificar seus achados e desse processo saíram os trabalhos fundamentais que levaram à consolidação da teoria.

Seu pensamento constitui junto com a obra de Freud os alicerces de todo o pensamento psicanalítico posterior. Seus conceitos foram absorvidos ao corpus da Psicanálise: a importância do mundo interno e da fantasia inconsciente, a teoria das posições, a destrutividade, mas também a generosidade, o amor, a reparação e a esperança, numa dialética permanente.

MK foi uma mulher controvertida, mas de grande convicção quanto ao valor de suas descobertas e de sua obra. Partindo de uma forte ambição pessoal, foi se movendo em direção à dedicação a algo muito maior do que seu próprio prestígio.

Encerro com uma breve passagem do final da biografia de MK escrita por Phyllis Grosskurth, em que ela menciona a relação especial que MK tinha com seu neto Michael:

‘Michael estava perturbado com a perspectiva da morte da avó querida. Ela lhe disse que não tinha medo de morrer. A única coisa que era imortal era aquilo que uma pessoa havia conquistado; e sua força e coragem estavam em sua crença de que suas ideias seriam levadas adiante por outros.’

E sabemos que foram. Essa era MK e aqui estamos nós prestando-lhe homenagem.

Liana Pinto Chaves é membro efetivo, analista didata e docente da SBPSP.



Comentários

3 replies on “Melanie Klein e sua contribuição para a Psicanálise”

Maria Angélica Amorieli Bongiovani disse:

Prezada Liana!Muito oportuno seu artigo!Parabens pela forma como sintetizou a vida e teoria de Mk.Para mim foi de extrema valia!Muito grata!

Maria Tereza de Oliveira disse:

Excelente!

[…] Melanie Klein (1882-1960) encarou o movimento psicanalítico sob uma perspectiva mais analítica no tratamento com crianças. O desenvolvimento em fases, proposto por Freud (fase oral, fase anal e fase fálica), é aqui substituído por um elemento mais dinâmico do que estático. […]

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