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Homenagem a Bion nos 126 anos de seu nascimento

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Reproduzo a consigna dos organizadores desse “blog”, mais um anglicismo tornado lugar comum.

(Primeiro parágrafo: vazio)

(Segundo parágrafo: vazio)

………………….. (Centésimo vigésimo sexto parágrafo: vazio)

Os parágrafos terceiro e até o centésimo vigésimo quinto repetem a vacuidade que tendo pictorializar por formulações verbais e quase-aritméticas.

 

Vou fazer uma aritmética onírica, inspirada na matemática euclidiana – encontrar o MDC, ou Mínimo Divisor Comum, como aprendemos na escola primária, e também na doutrina numerológica (como toda doutrina, nada tem a ver com ciência), defendida por Flies:

126=12/6

12/6=2

2/2=1

Chega de ficar fazendo contas de dividir. Muito complicado. Vamos fazer contas de multiplicação, já que deu 1: só um, tipo solitário.

1 x 0 = 0

 

Bion adotou formulações verbais e quase-matemáticas. Estou o macaqueando? Ou me inspirando no método comunicacional adotado por ele? Deixo ao leitor a tarefa de concluir; minha opinião sobre mim mesmo corre o risco ter bias anti-científicos. Suponho, como Freud, Klein, Winnicott, Bion, Jaques, Green e muitos e muitos outros, que tem sido cada vez mais poucos no movimento psicanalítico (definido por Freud em 1914), que psicanálise é uma atividade científica.

Vazio e “0” (Zero, é um algarismo árabe, não uma letra) são sinônimos. Sob o vértice científico, “0” tem uma contrapartida verdadeira, na realidade material e psíquica: que pode ser chamada de vazio. Sob o vértice psicanalítico, frustração de desejo.

126 anos? Sem dúvida, sob o calendário gregoriano: uma falsidade inventada por um Papa que se chamou a si mesmo de Gregório XIII, na Idade Média, para finalidade comerciais. Os pais o chamaram de Ugo e seu sobrenome era Boncompagni. Bons companheiros, em português. Como quase todos os sobrenomes na Itália daqueles que não pertenciam à “nobreza”, ou os donos de terras daquela época, eram comentários sobre a aparência física ou comportamento aparente das pessoas. Ugo copiou o calendário juliano, inventado por um financista de mão cheia, que foi imperador dos romanos, chamado Júlio César, corrigindo uns errinhos aritméticos.

Calendário gregoriano é uma falsidade útil para finalidade financeiras e comerciais. Se baseia na data de nascimento obstétrico, quando aplicada a pessoas nas sociedade ocidentais.

Bion observou (em blogs não se citam artigos, e assim estou fazendo) que isso é arbitrário e portanto, inventado, servido a certas finalidades, tantas vezes comerciais ou governamentais: não dá para saber quando esse homem, que nenhum de nós realmente o conheceu, nasceu. Gente existe, que diz que nasceu quando fez uma psicanálise; outros dizem que nasceram de alguma divindade.

De modo que nosso 126 equivale a Desconhecido. Pertence ao sistema inconsciente, no linguajar de Freud, totalmente respeitado por Bion.

Bion era totalmente avesso a homenagens, como era avesso à política e arbitrariedades; alguns que o conheceram mais ou menos intimamente, como Francesca Bion, Frank Phillips e Robert Hinshelwood (que também conheci, mais ou menos intimamente).

Então, a melhor homenagem a essa pessoa que faleceu em 1979 e mandou que aspergissem suas cinzas no Mar do Norte, que posso fazer equivale a uma palavra: nenhuma.

Mas posso tentar seguir o que pude captar de sua profunda, ampla e utilíssima (para a prática psicanalítica) obra, que foi uma extensão da obra de Freud e de Klein: elaborar alguns questionamentos críticos ou análise crítica ou criticismo, iniciada por Sócrates e Platão e resgatada por Kant, alguns inspiradores da obra de Freud e de Bion.

Quantos dentre nós, membros da associação que reúne pessoas que pretendem ser psicanalistas, ou se apresentam como tais, conhecem o significado original desse termo de gíria na língua inglesa? Cada leitor pode perguntar a si mesmo.

Os nomes dos organizadores está nos créditos e meus agradecimentos sobre o amável convite, como todo agradecimento, como entendo que precisa ser, já foi dado pessoalmente. De modo geral, e em princípio, suponho que são colegas de boa vontade que tentam fazer um serviço de bem-estar público. No caso de blogs, tentam acompanhar a tendência que ainda pode até ser chamada de atual, mesmo que na velocidade aceleradíssima, tipo vapt-vupt, mal começou e já acabou. E nessa que trafegam, no espaço-tempo social, a maioria dos movimentos sociais da atualidade. Nessa velocidade, blog caminha rápido demais para o esquecimento. Talvez esteja na aurora do esquecimento, mas posso estar desinformado.

Bion foi criado dentro dos preceitos não-conformistas, um, dentre as centenas de ramos do protestantismo cristão, nascido na França e praticado pelos huguenotes, seus antecedentes mais próximos até hoje registrados.

Então, sinto-me autorizado a colocar uma citação que não se conforma com a regra dos blogs. Três meses antes de falecer, ou seja durante o mês de abril de 1979, Bion falou em sua residência (em Oxford) para alguns poucos amigos e parte de sua família. Falou sobre modismos (fashion), “a vestimenta do diabo”, como escreveu Shakespeare. Bion nunca foi escravo de modismos ou griffes. Falou sobre sua trajetória e sobre uma história das ideias na civilização ocidental. Criticou, nessa fala, atitudes de pessoas que faziam questão de idolatrá-lo. Sua fala foi registrada em uma engenhoca hoje histórica, chamada pelos físicos de gravação magnetofônica. No senso comum, gravação em fita de rolo. Avaliou que ele falou sem rolos, como sempre falou e escreveu. A fita foi reproduzida por Francesca Bion e está impressa no livro Cogitações. Reproduzo um pedacinho, na versão autorizada pelo Estate of WR Bion feita por Ester Hadassa Sandler e eu mesmo:

Qualquer religião específica muda, de acordo com a moda dominante; mas a coisa fundamental, a própria religião, não muda… No devido tempo, vi-me oficialmente qualificado pela Sociedade Psicanalítica Britânica, e envolvendo-me gradualmente em assuntos com os quais não estava familiarizado – inclusive aqueles para os quais eu não possuía a menor qualificação para enfrentar, tais como Presidente da Sociedade Psicanalítica Britânica. Nunca senti que tivesse sido treinado para ocupar uma posição de tanto prestígio… Tive muitas oportunidades de ouvir meus pacientes falarem sobre meus muitos defeitos e falhas, assim como sobre os defeitos e falhas da psicanálise. O mesmo tipo de coisa ocorreu quando transferi minhas atividades – pensei então que seria por um período curto de tempo, talvez uns cinco anos – para os Estados Unidos. Levou muito tempo para me acostumar, uma vez mais, ao fato que ninguém jamais ouvira falar de mim, a não ser uma ou duas pessoas que pareciam sentir, por alguma razão, que queriam ter alguma assistência a mais. Ao mesmo tempo, haviam me atribuído uma série de qualidades ou capacidades que pareciam ser irrelevantes; se eu tivesse as qualificações ou o hábito, teria me achado metido no papel de um tipo de messias ou deidade. Tudo isto correu paralelamente com o tornar-se cristalinamente claro para mim que eu era um mero ser humano, que a psicanálise, afinal de contas, era apenas uma forma de comunicação verbal, e que havia limites para o que podia-se fazer com ela- especialmente pelo fato da pessoa estar na dependência de ter alguém que ouça aquilo que ela tem a dizer. Assim, por ter que dizer alguma coisa, e também por ter que ter alguém que ouvisse o que eu dizia, ficou claro que estava sendo impingida a mim uma posição, ou eu estava sendo convidado a ocupá-la, inteiramente alheia a meu alcance ou capacidade.

Comparando minha experiência pessoal com a história da psicanálise, e mesmo com a história do pensamento humano, que tentei esboçar a grosso modo, parece bastante ridículo que alguém se encontre na posição de ser visto estar nesta linha de sucessão, ao invés de constituir apenas uma de suas unidades. É ainda mais ridículo esperar-se que alguém participe de um tipo de competição por precedência, de quem está por cima. Por cima do que? Aonde este por cima entra nesta história? Aonde entra a própria psicanálise? O que está em disputa? O que é esta disputa na qual supõe-se que alguém esteja interessado? Sempre ouço – como sempre ouvi – que sou um Kleiniano, que sou louco. Será possível estar interessado neste tipo de disputa? Acho muito difícil ver como isso poderia ser relevante, cotejado com o acervo de luta do ser humano para emergir da barbárie e da existência puramente animal para algo que poderia ser denominado, uma sociedade civilizada.

Uma das razões que estou falando isto aqui é porque penso que seria útil caso nos lembrássemos da proporção das coisas nas quais estamos envolvidos, e onde, aproximadamente, se localiza um pequeno nicho que poderíamos ocupar.” 

Paulo Cesar Sandler é analista didata da SBPSP. Mestre em Medicina pela FMUSP. Psiquiatra do Instituto de Medicina Física de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e de seu Setor de Pesquisa. Sócio honorário da L’Accademia Lancisiana de Medicina, Roma

Imagem: Wilfred R. Bion (Wikipedia)

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.  



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