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Frida Sofia: um mito moderno?

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Leda Beolchi Spessoto

Durante a tragédia do terremoto que atingiu o México, uma notícia ganhou contornos especiais e milhares de pessoas ao redor do mundo sofreram e se angustiaram na expectativa do resgate de Frida Sofia.

Enquanto muitos lutavam bravamente pelo resgate das vítimas, um desafio foi se impondo: sob os escombros de uma escola, Frida Sofia , uma menina de doze anos,  esperava pelo salvamento.

Com o passar do tempo, as versões da notícia iam se modificando: não seria mais uma menina apenas, mas três… depois cinco; Frida havia mexido a mão etc. Informações errôneas plantadas deliberadamente ou não se alastravam, dados contraditórios e não compatíveis com as buscas se acumulavam: não havia registros na escola de jovem com tal nome, não aprecia a família em nenhum momento,  entre outros.

Finalmente a constatação vem a público: Frida Sofia não existe!

Acusações e a procura dos possíveis responsáveis pela informação errada se tornam o novo alvo das notícias. Além de pessoas que isoladamente admitiram ter contribuído para a criação de Frida Sofia, vale destacar também a observação de uma construção coletiva simultânea, onde “cada um que conta um conto aumenta um ponto”. Se já existe até ditado popular com esta compreensão, provavelmente estamos diante de característica da mente humana que se manifesta nestas circunstâncias.

Em seu livro “Mitos de Guerra”, Marie Bonaparte, já em 1946, chamou a atenção para um fenômeno que denominou “Mitos Modernos”. Estes seriam rumores persistentes que adquirem uma rápida difusão oral e cuja análise de conteúdos latentes indica que servem para assimilar psicologicamente situações de angústia coletiva e os conflitos subjacentes, tendo assim um papel semelhante aos mitos no passado. Posteriormente Marie Langer também usa o mesmo conceito para analisar fenômeno semelhante ocorrido em Buenos Aires e relacionado a aspectos da sexualidade, muito bem apreciados em seu livro Maternidade e Sexo.

Retomo aqui esta abordagem  para nos lembrar de que a construção mitológica não foi somente realizada por antigas culturas. Ela pode também ser vista em operação contínua na mente humana que alcança, por meio desse recurso, uma narrativa  organizadora  atribuindo sentido ao que vivemos, sendo uma forma de lidar com angústias e realizar transformações.

Vista deste modo, Frida Sofia é um pedacinho de todos nós!

Por meio da comoção provocada, do resgate ansiado, o desamparo e o medo claustrofóbico tão primitivos que podem nos invadir,  se expressaram e  encontraram solidariedade e amparo emocional. Segue o desafio para partes soterradas de nossa mente que podem novamente necessitar de ajuda para sobreviver quando aprisionadas em terremotos emocionais que a vida nos traz. Precisamos, talvez mais do que gostaríamos, do gesto que nos ampara e da mente que nos acolhe.

Enquanto a condição sonhante da nossa mente estiver disponível para nos salvar das angústias e transformá-las, possivelmente os mitos estarão sempre se renovando de alguma forma.

Leda Beolchi Spessoto é psiquiatra  e psicanalista, membro efetivo da SBPSP e coordenadora de seminários teóricos do Instituto de Psicanálise  da SBPSP 



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