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A importância de Thomas H. Ogden na clínica psicanalítica contemporânea

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Thomas Ogden surgiu em meu trabalho clínico de um modo particular. Eu não o procurei. Ele me procurou através de uma paciente que, hà 20 anos, me presenteou com um dos seus primeiros livros “A Matriz da Mente” (1992), na época já traduzido para o espanhol.

Surpresa, me perguntei: Qual o significado e o porquê desse presente? Mais tarde descobri a resposta em minha prática clínica através dessa e outros pacientes.

Inicio estas breves considerações sobre Ogden com uma de suas citações que mais aprecio:

A Psicanálise é uma experiência emocional vivida. Como tal, ela não pode ser traduzida, transcrita, registrada, explicada, compreendida em palavras. Ela é o que é… Não obstante, acredito ser possível dizer algo sobre esta experiência vivida, que é útil para pensarmos sobre aspectos do que acontece entre os analistas e seus pacientes quando se envolvem no trabalho analítico1

Thomas Ogden é um psiquiatra, psicanalista e escritor tanto de livros psicanalíticos como de ficção. Nasceu em 4/12/1946 nos Estados Unidos, vive e trabalha em São Francisco, Califórnia, porém “vive” em várias partes do mundo, através de vários analistas, contribuindo com os mesmos em sua prática clínica e na elaboração de seus conceitos.

Desde seu primeiro livro Projective Identification & Psycho-Therapeutic Technique (1979), até seu último livro, Reclaiming Unlived Life – Experiences in Psychoanalysis (2016), Ogden tem sido um dos autores que mais estimulam o desenvolvimento tanto teórico, como clínico, da psicanálise no final do século XX e início do século XXI.

Sua obra é fecunda em relatos clínicos, na qual expõe com clareza, no campo intersubjetivo criado pela dupla analítica, suas próprias associações e rêveries, acompanhadas de elaborações teóricas, com uma coragem, ousadia e amor pela verdade única.

Ogden privilegia as inter-relações das dimensões intrapsíquicas e intersubjetivas no campo analítico (Ogden, 1982). Considera que a teoria psicanalítica ainda carece de uma linguagem e de conceitos que abranjam a vastidão e o mistério de um encontro analítico, onde operam o interjogo entre os fenômenos nas esferas da realidade externa, das relações internas e da realidade criada nas relações interpessoais de uma dada experiência emocional analítica.

Ogden tem singularidades próprias entre os grandes autores pós-kleinianos (Bion, Rosenfeld, Bollas, Ferro, etc) nas diferentes maneiras em que eles abordaram a história da psicanálise pós-freudiana, com o surgimento de diferentes escolas ou apreensões do conhecimento psicanalítico.

Diz Ogden:

                                 Os trabalhos que escrevi nos meus primeiros anos de escrita analítica (1974-1989) foram trabalhos que tanto introduziram os psicanalistas americanos ao pensamento psicanalítico britânico, principalmente o trabalho de Klein, Winnicott, Fairbairn e Bion, como de minhas próprias idéias (Ogden, 2006).

Esta é uma das singularidades de Ogden, como a concebo. O psicanalista leitor de Ogden também é estimulado por ele a desenvolver suas próprias ideias, ousar pensar livremente sobre a teoria e a clínica, sobre o paciente e sobre ele mesmo, analista, através de suas associações livres e sua capacidade de rêverie.

Ogden também estimula o analista a trabalhar muito próximo ao paciente, vivenciar a unicidade, ou “O” (Bion) da experiência analítica, como também criar uma distância útil, no campo da intersubjetividade, para poder sonhar, criar sua rêveries, captar e verbalizar o que apreendeu do seu paciente.

Ogden é um dos grandes colaboradores contemporâneos na construção de uma psicanálise aberta, independente, investigativa, menos prisioneira de dogmas e doutrinações.

Considero entre suas grandes contribuições os conceitos de:

a) O estado de não experiência
b) A posição autista-contígua
c) O terceiro analítico, ou seja, a intersubjetividade inconsciente do analista/paciente, que ele denomina de terceiro analítico (Ogden, 1994).

Expandindo um pouco o conceito do terceiro analítico, ou terceira subjetividade, ele é produto de uma dialética peculiar, gerada conjuntamente por ambos, analista e paciente, com suas distintas subjetividades, e também ao mesmo tempo separados, no interior do setting analítico. É uma subjetividade que parece ter vida própria no campo interpessoal (Ogden, 2004).

Apesar da influência da psicanálise britânica em sua obra, outros autores americanos estão presentes na obra de Ogden, como Searles, Langs, Boyer, Grotstein, etc.

Ogden é um dos principais autores que defendem a criatividade do analista e do paciente, ou seja, criar e ser criativo com o outro, construir uma dupla sonhante, analista e paciente, sem se apropriar narcisisticamente de forma exclusiva da apreensão criativa. Muito próximo a Winnicott em sua postura clínica, Ogden, nos presenteia com seu extraordinário artigo “What is true and whose idea was it?” (Ogden, 2003).

Outra singularidade de Ogden é o seu entendimento sobre o conceito de identificação projetiva (Klein, M.) em seu primeiro livro. Ele tem suas próprias ideias a respeito desse conceito.

Para ele, a identificação projetiva se trata de “um processo inconsciente intrapsíquico e interpessoal”, e não somente intrapsíquico (Ogden, 2006).

Ao usar em sua obra, em quase todos os seus artigos, a palavra “inventar”, ou inventar novamente ideias de Bion, Winnicott, Fairbairn, Searles, Loewald, (Ogden, 2006), ele tenta transmitir que a psicanálise é dinâmica, em constante transformação, refazendo-se na singularidade de cada análise em particular, ou seja, está em movimento como a própria vida (Ogden, 2006).

Outro conceito que penso ser importante para a clínica, é o conceito da posição autista-contígua. Suas ideias partiram de Tustin, F., Bick, E., e Meltzer, D., grandes pensadores do trabalho com autismo, mas se expandiram em outro vértice de apreensão, não somente da patologia. Ogden considera a posição autista-contigua como uma fase primitiva, inicial e não patológica do desenvolvimento humano. Ela permanece sempre presente na vida, como a posição esquizo-paranoide e depressiva de Klein, operando dialeticamente com as mesmas.

A fixação nessa fase é que conduz à patologia do autismo. A criação desse conceito criou polêmica em alguns autores da escola britânica que trabalham com autismo.

São inúmeras as contribuições de Ogden, e atualmente, com 76 anos, continua a criar, a investigar e colaborar com o desenvolvimento da psicanálise.

Minha analisanda tinha razão quando me presenteou com o livro de Ogden A Matriz da Mente, 20 anos atrás.

Ela demandava de mim que eu fosse uma analista para ela que ousasse estabelecer um contato mais profundo, com esses valores nas minhas associações e rêveries, como às delas, pois, seriam geradas conjuntamente por mim/com ela, através de “O” (Bion) da experiência, pela comunicação inconsciente/consciente entre nós duas, no campo da intersubjetividade analítica.

Ela demandava que eu ampliasse minha escuta analítica e percebesse que não havia só uma pessoa criativa, mas duas no setting analítico, proporcionando-lhe alcançar sua própria verdade existencial.

Para finalizar, citarei mais um trecho de Ogden em seu livro Esta Arte da Psicanálise:

Uma pessoa consulta um psicanalista porque está sofrendo (isto é, incapaz de elaboração psicológica inconsciente), ou fica tão perturbado com o que está sonhando que seu sonho é interrompido. À medida que é incapaz de sonhar sua experiência emocional, o indivíduo é incapaz de mudar, ou crescer, ou tornar-se diferente de quem ele tem sido… O analista em sua participação no sonhar os sonhos não sonhados e interrompidos do paciente (através da sua rêverie), vem a conhecer o paciente de um modo ou uma profundidade que lhe permite dizer algo ao paciente que seja verdadeiro, para a experiência emocional consciente/ inconsciente que está ocorrendo no momento analítico. E assim o paciente pode realizá-la para elaboração psicológica consciente/inconsciente, ou seja, sonhar sua própria experiência e deste modo sonhando-se existir mais plenamente (Esta Arte da Psicanálise (2005).

Thomas H. Ogden é autor de uma extensa obra (em torno de 50 artigos e nove livros), traduzidos em diversas línguas. Citarei algumas delas:

1)Projective Indetification & Psychotherapeutic Technique (1992).
2)The Matrix of the Mind: Object Relations and the Psychoanalytic Dialogue (1986).
3)The Primitive Edge of Experience (1992).
4)Subjects of Analysis (1994).
5)Reverie and Interpretation. Sensing Something Human (1999).
6)Conversations at the Frontier of Dreaming (2002).
7)This Art of Psychoanalysis: Dreaming Undreamt Dreams and Interrupted Cries (2005).
8)Rediscovering Psychoanalysis: Thinking and Dreaming, Learning and Forgetting (2009).
9)Coming to Life in the Consulting Room: Toward a New Analytic Sensibility (2022).

Como romances de ficção de Thomas H. Ogden citarei entre outros Meias Verdades – Um romance. (Título original em inglês: The Parts Left Out: A Novel” (2013). 

1 Esta Arte da Psicanálise (Thomas H. Ogden) 

Maria Cecília Andreucci Pereira Gomes é membro efetivo, professora e analista didata da SBPSP.  

Imagem: Nós – Ismael Nery, 1926 (Domínio Público)

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores. 



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