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SUICÍDIO E PSICANÁLISE

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Por Sandra Maria Gonçalves

Viver implica sentir prazer e dor. A ciência médica, hoje em dia, nos propõe alívio para qualquer dor física.

Quanto à dor psíquica, aquela angústia inerente às nossas perdas, frustrações, escolhas, imperfeições e limitações, a natureza nos dotou do sono para não termos que enfrentar a realidade o tempo todo, sendo que o sonhar nos ajuda a organizar e dar sentido às experiências prazerosas, enigmáticas ou dolorosas vividas durante o dia. Mesmo acordados não precisamos estar o tempo todo em contato com a realidade, podemos fantasiar, ou seja “sonhar acordado”.

O suicídio é um sono sem sonhos do qual não se acorda jamais.

Para algumas pessoas o sono e o sonhar são suficientes; outras buscam as opções criadas pela cultura: álcool, drogas, psicofármacos; para 3 mil, diariamente, segundo a Organização Mundial da Saúde, só o suicídio é visto como solução. Por quê? Porque a capacidade para lidar com os afetos dolorosos sem que o Eu se desagregue é extremamente variável entre as pessoas e também na mesma pessoa ao longo da vida.

Cada um comete o ato suicida por razões singulares. Vingança, raiva, autopunição, culpa, desesperança, vergonha, humilhação, inferioridade são estados afetivos comumente narrados pelas pessoas com ideias suicidas, mas sob estes subjazem outros que no momento não estão acessíveis à percepção da pessoa. Esses afetos vão se tornando intoleráveis, as ideias suicidas vão aparecendo, preparações para o ato começam a ser construídas e em determinado momento o controle egóico entra em falência e o ato ocorre.

A psicanálise nos ensina que em todo evento psíquico há conflito, há dois lados: no caso do suicida é entre a vontade de matar o corpo e a vontade de sobreviver. O suicida espera que vá existir um “estado de não sofrimento”, quando na realidade não existirá “estado” nenhum, apenas um puro corpo morto.

A lógica do suicida não é a lógica comum, mas para este faz todo o sentido. A pessoa deve ser levada a sério em suas ideias. Quanto antes estas forem identificadas maior é a possibilidade de ajudar a pessoa a se reconciliar com seu lado que quer sobreviver, dando significados que tornem suportáveis a dor de viver nesse mundo que ela quer deixar e, quem sabe, modificar sua convicção suicida.

*Sandra Maria Gonçalves é psicanalista, membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).



Comentários

13 replies on “SUICÍDIO E PSICANÁLISE”

Ana Rocha disse:

Muito bom!No mundo contemporâneo é muito comum.

Para viver há necessidade de uma razão para viver, e esta razão vem de dentro. O suicída busca a parada total, o fim de toda e qualquer angústia, a angústia se torna insuportável. Não suporta mais. Este suportar é onde a psicanálise ajuda. Gostei muito do seu texto Sandra, simples e direto.

sandra maria gonçalves disse:

Stella, só hoje li sua mensagem. Obrigada pelo comentário!

Maria Inês disse:

Não me recordo de quem é esta frase,( Nietzsche ?) mas parece pertinente: “quem tem porque viver, pode suportar quase qualquer como”.

alini disse:

excelente texto e verdadeiro.

[…] muitos adolescentes tem sido vítimas do “jogo” Baleia Azul, cujo fim culmina com o suicídio do participante. Depressão não é facilmente detectável, principalmente em crianças e […]

[…] O jogo da Baleia Azul e a série 13 Reasons Why, exaustivamente abordados na mídia nas últimas semanas, geraram perplexidade e pânico a respeito de uma possível epidemia de futuros suicídios e uma controvérsia a respeito de ser ou não recomendada sua exibição ao seu público alvo. Havia o receio da indução a mais suicídios, já que a forma romantizada e detalhada com que o tema é abordado são fatores largamente desaconselhados pela Organização Mundial de Saúde. Tentativas prévias são consideradas um fator de risco importante na indução de mais suicídios. […]

José Eduardo disse:

O sujeito em estado suicída está em processo de negação à sua sombra: lá está armazenado um eu que ele rejeita e que se recusa enfrentá-lo. A morte, para ele, parece ser o caminho mais estreito até o “alívio”.

Sandra Maria Gonçalves disse:

Sim, a morte parece ser o “alívio”, entretanto essa sensação ele nunca vivenciará.

claudioslander disse:

Profundo e verdadeiro seu texto. Gostaria de acrescentar algo tb que espero entender melhor tamanha dor psiquica. Que apesar de ser mental, nao passa com remedios,fitness, comida, viagens, trabalho e realizaçoes amorosas. Pois é um dor do ser, do EStar doendo existencial. Falar ajuda, escrever, pintar, expressoes que possibilitam ao ser se manifestar……. o mais é paliativo, nao curativo, por isso a escuta, e mais a sensibilidade do outro que ali esta, se faz presente, no caso o psicanalista. Ab.

Sandra Maria Gonçalves disse:

Só hoje li seu comentário. Muito obrigada pela complementação, útil e valiosa para quem está nesse estado.

K disse:

Sou suicida. E não concordo com estado de não sofrimento. Sei que morrendo vou dar um fim em tudo, ou seja, na minha vida, no corpo, em sua materialidade, e no meu sofrimento. Não quero chegar ao estado de não sei o que. Eu só quero acabar com o sofrimento que ocorre em decorrência de ESTAR VIVO.

@ disse:

Exatamente, a morte não é um meio, ela é o fim em si. Em mim particularmente esse desejo vem do fato de não encontrar no mundo motivos ou justificativas para confiar, as pessoas estão cada vez mais insensíveis as dores dos outros e talvez até “menos humanas”. Sendo assim, deixar de “ser” parece um bom final; alias esta é a única certeza que todos temos, um dia deixaremos de “ser”, a meu ver esta é uma das escolhas mais conscientes que se pode tomar. Não deixando nas mão dos outros a da própria vida o momento de nossa partida, por isso o suicida se retira e ponto.

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