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Que bobagem é o negacionismo de evidências científicas abundantes sobre psicanálise e psicoterapias psicodinâmicas!

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No dia 18 de junho de 2023, o Titan, um submersível operado pela OceanGate Expeditions, desapareceu no Oceano Atlântico Norte, na costa de Terra Nova, no Canadá. Entre os tripulantes que faleceram, estava o CEO da OceanGate, Stockton Rush.

Rush parece ter angariado fama a partir de feitos como tornar-se “o piloto de aeronaves a jato mais jovem do mundo em 1981, aos 19 anos de idade, após obter sua classificação DC-8 Type/Captain no United Airlines Jet Training Institute”[2]. Teve cargos em conselhos e de gerenciamento em empresas de tecnologia e “construiu uma aeronave experimental Glasair III e depois um submersível Kittredge K-350 para duas pessoas com diversas modificações, ambos teriam funcionado bem”.

Rush usou sua notoriedade para promover o Titan, apesar de diversos avisos da comunidade que se ocupa de submersíveis de que seu projeto era insustentável. “O Comitê de Veículos Subaquáticos Tripulados da Marine Technology Society escreveu uma carta ao CEO da OceanGate, Stockton Rush, em 2018 (…): ‘Seu material de marketing anuncia que o design do ‘TITAN’ atenderá ou excederá os padrões de segurança DNV-GL, mas não parece que a OceanGate tenha a intenção de seguir as regras da classe DNV-GL’”, dizia a carta.

Durante a pandemia de Covid-19, a atividade de divulgação de ciência para o público teve importante papel de oposição ao negacionismo alimentado pelo então governo e muitos de seus apoiadores. A discriminação entre tratamentos eficazes e ineficazes, a importância do uso de máscaras, da adoção do distanciamento social e a necessidade de vacinação em massa da população foram fortemente defendidos por pessoas dedicadas a explicar como se constrói conhecimento confiável com seriedade. Muitas destas pessoas ganharam ou aumentaram sua notoriedade, passando a ser colunistas de jornais, revistas e a atuar como comentaristas em programas de rádio, televisão e transmitidos pela internet.

Natalia Pasternak lançou com Carlos Orsi o livro intitulado “Que bobagem!”[3] em que são apresentados e defendidos, na Introdução, princípios e diretrizes fundamentais para a atividade científica: “O prestígio a que a ciência faz jus vem de sua atitude fundamental de respeito pela totalidade da evidência – principalmente, pela parte que contradiz aquilo em que gostaríamos de acreditar – e de abertura à revisão crítica” (p. 7). Afirmam também que “caso outros estudiosos do mesmo assunto encontrem erros em seu trabalho, ou se novos dados invalidarem a conclusão obtida, essas críticas e novidades devem ser assimiladas de modo transparente e honesto, mesmo que o resultado seja demolição de uma hipótese que já parecia bem confirmada” (p. 8).

Parafraseando a carta do Comitê de Veículos Subaquáticos Tripulados da Marine Technology Society enviada a Rush, poderíamos dizer a respeito do livro que, no que se refere a psicanálise e psicoterapias psicodinâmicas, sua introdução anuncia que a discussão atenderá os padrões da ciência, mas não há evidências de que o capítulo teve a intenção de seguir as regras da ciência. Ao contrário do que ali se afirma, há diversos estudos randomizados controlados com cegamento e tratamento estatístico de dados demonstrando a eficácia de psicanálise e psicoterapias psicodinâmicas, satisfazendo critérios que o texto preconiza: “Entre os procedimentos que devem ser seguidos estão a avaliação crítica das alegações de cura ou benefício terapêutico por meio de testes controlados, envolvendo número significativo de pacientes, comparação entre grupos equivalentes e algum grau de cegamento, seguidos de análise estatística competente e pertinente dos resultados” (p. 181 e 182).

Além disso, muitos neurocientistas importantes têm feito articulações frutíferas entre tais estudos, considerações hipotéticas (mais sujeitas a imprecisões) formuladas por Freud acerca do funcionamento da mente e achados experimentais neuroimagéticos contemporâneos. O texto ignora todo e qualquer trabalho que se encaixe em alguma destas categorias.

Como docente do Instituto de Psicologia da USP, sou responsável pela disciplina de pós-graduação intitulada “Ensaios Clínicos Randomizados e Estudos Neurocientíficos na Produção de Evidências em Psicanálise” onde disponibilizo uma pequena mostra desta literatura pelo site com livre acesso:

https://edisciplinas.usp.br/course/view.php?id=105728#section-31

Pasternak e Orsi afirmam que a falta de evidências de eficácia de psicanálise e psicoterapia psicodinâmica está ligada a uma concepção do funcionamento mental por elas sustentada que não encontraria fundamentação no conhecimento neurocientífico atual.

Weingarten e Strauman (2015)[4] fizeram uma revisão da literatura com 90 estudos de psicoterapias com resultados associados a neuroimagem. Embora a larga maioria utilizasse a TCC como abordagem, 7 utilizaram psicoterapia psicodinâmica. Os diagnósticos mais comuns foram depressão, TOC e esquizofrenia. Os estudos reportaram diferenças significativas em comparações antes e depois dos tratamentos. A maioria usou a função cerebral (ativação por tarefas, fluxo sanguíneo em repouso, metabolismo da glicose, funções da serotonina ou dopamina) e, mais recentemente, passaram a detectar mudanças estruturais (em medidas volumétricas ou de características da substância branca) ou mudanças regionais em neurotransmissores.

Multi-Level Outcome Study of Psychoanalyses of Chronically Depressed Patients with Early Trauma (MODE)[5] é um estudo multicêntrico internacional em andamento financiado, entre outros, pela Associação Psicanalítica Internacional (IPA), que investiga transformações no cérebro, em virtude do tratamento psicanalítico, de pacientes com depressão severa e histórico de traumas na infância. Há uma base sólida de considerações de repercussões não lineares entre concepções de mente psicanalíticas e neurocientíficas que justificam as hipóteses de que melhoras clínicas terão repercussão detectável em exames de neuroimagem.

Para Pasternak e Orsi, as considerações de Freud sobre o funcionamento mental não encontram respaldo no conhecimento atual em neurociências. Este assunto é extremamente complexo e profundo e não seria possível entrar em minúcias numa publicação como esta. Gostaria apenas de salientar que há diversos neurocientistas importantes não referidos pelo casal como Karl Friston, Robin Carhart-Harris, Richard Lane, Pierre Magistretti, Antonio Damasio, Jaak Panksepp e Mark Solms que têm trabalhado em articulações, de diferentes maneiras, entre achados em neurociências e considerações freudianas sobre o funcionamento mental. Discute-se que a influência do trabalho de Hermann von Helmholtz sobre a formação de Freud como neurologista serviu como diretriz para suas hipóteses oriundas da observação clínica de fenômenos introspectivos, a ferramenta de que se dispunha na época. Carhart-Harris e Friston afirmaram que:

Os escritos de Freud contêm muitas heurísticas úteis para explorar a função global do cérebro, especialmente em estados não ordinários [sonhos e sintomas] de consciência. De fato, o modelo freudiano deve sua origem a inferências baseadas em estados não contritos, enquanto a abordagem cognitivo-comportamental é incerta neste domínio (Morcom e Fletcher, 2007). A ciência geralmente analisa os fenômenos extrospectivamente, mas especialmente nas ciências da mente, certos fenômenos exigem que olhemos tanto para dentro como para fora – mesmo que a introspecção implique algum comprometimento e um confronto com o nosso ‘isto’. As teorias de Freud foram concebidas por meio de um estudo de estados não ordinários, sua formação em neurologia e uma prontidão para a introspecção. Se eles fossem construídos sobre falsas inferências e filosofias soltas, seria baixa a chance de perdurarem da maneira como perduraram. (…) O modelo freudiano acrescenta uma estrutura para uma compreensão integrada dos fenômenos psicopatológicos. (…) A síntese tentada neste artigo visa facilitar uma compreensão mais abrangente de fenômenos psicológicos e neurobiológicos; abordando temas até então considerados incompatíveis com o paradigma cognitivo (por exemplo, Morcom e Fletcher, 2007). O modelo freudiano não deve impedir o teste de hipóteses, mas facilitá-lo enfatizando a importância de estudar a fenomenologia, neurofisiologia e neurodinâmica de diferentes modos ou estados de cognição; e indicando onde podemos procurar por anomalias (p. 1275)[6].

O trabalho da neurocientista Cristina Alberini merece figurar entre aqueles que mencionei acima. Ela é a única da lista que Pasternak e Orsi incluem em suas referências, ainda que numa nota de rodapé (a de número 24), quando o casal afirma o seguinte: “Hoje sabe-se que é altamente improvável que o cérebro seja capaz de preservar memórias de eventos ocorridos antes do inicio do terceiro ano de vida” (p. 327). Eles usam seu trabalho para argumentar contra hipóteses de Freud acerca do impacto que experiências infantis poderiam ter sobre a mente, particularmente sobre a memória, de seu paciente conhecido como “Homem dos Lobos”. Ocorre que Alberini cita Freud para apontar, em concordância com ele, que foi um dos primeiros a escrever sobre amnésia infantil e buscar, ainda que imprecisamente, uma explicação do seu mecanismo e do paradoxo de experiências emocionais não rememoradas terem um impacto na construção da mente e do sistema nervoso a longo prazo. Não se pensa hoje que aquilo que Freud propôs em 1914 ocorra literalmente como hipotetizou, mas que estava às voltas com a noção original de que experiências emocionalmente impactantes na infância têm consequências de longo prazo para a vida mental das pessoas.

Uma publicação da Scientific American traz algumas informações sobre Alberini:

Christina Alberini tem formação em psicanálise e também em neurociência. Ela fez pós-doutorado com Eric Kandel, que ganhou o Prêmio Nobel por descobrir a base molecular da memória em caracóis. Kandel acha que a psicanálise tem muito a oferecer aos pesquisadores modernos de mente-corpo, assim como Alberini. Ela chamou a psicanálise de uma “fonte rica de informações” sobre nossos impulsos inconscientes e desadaptativos. Alberini dirige um laboratório na NYU que explora a base neural da memória em roedores, e a psicanálise inspira esse trabalho empírico. Por exemplo, um princípio freudiano fundamental é que as experiências traumáticas da infância, das quais não temos memória explícita, podem, no entanto, influenciar nosso comportamento. Alberini publicou evidências de que choques administrados a ratos na infância, antes que eles possam formar memórias duradouras, ainda assim têm um efeito duradouro em seu comportamento.[7]

Alberini tem publicado com colegas diversos trabalhos evidenciando que a observação freudiana de que eventos emocionalmente impactantes ocorridos na infância tornam-se inacessíveis à consciência, mas continuam a exercer importante influência sobre a mente e o comportamento:

Memórias episódicas formadas durante a infância são rapidamente esquecidas, um fenômeno associado à amnésia infantil, a incapacidade dos adultos de recordar memórias do início da vida. Tanto em ratos quanto em camundongos, as memórias infantis, embora não expressas, são na verdade armazenadas a longo prazo de forma latente. Essas memórias latentes podem ser restabelecidas mais tarde na vida por certos lembretes comportamentais ou por reativações artificiais de conjuntos neuronais ocorridos em treinamento. (…) Concluímos que um fator limitante para o restabelecimento da memória infantil é a idade de desenvolvimento, sugerindo que um processo de maturação cerebral é necessário para permitir a recuperação de uma memória infantil ‘perdida’[8].

A importância do impacto que experiências adversas podem ter sobre a mente ao longo da vida já foi comprovada por diversos estudos em várias áreas, com destaque ao prêmio Nobel de Economia James Heckman, servindo como diretriz de agendas governamentais de melhora das condições de desenvolvimento infantil e parentalidade com as quais psicanalistas contribuem em diversos países.

Alberini é uma cientista de renome internacional na área de estudos sobre efeitos que experiências iniciais na vida têm a longo prazo sobre mecanismos de memória. Talvez o ponto mais espantoso acerca de Pasternak e Orsi terem citado seu trabalho para se contraporem a Freud e à psicanálise seja o fato de ela… Ser psicanalista! E não se trata de Alberini ter sido psicanalista antes e ter se tornado neurocientista depois (talvez por descobrir a suposta farsa freudiana para enfim se reconciliar com a verdade experimental suprema). Ao contrário! Caso você que está lendo queira fazer o trabalho que o capítulo de Pasternak e Orsi não apresenta, clique aqui e acesse o currículo de Alberini, em particular as duas primeiras páginas, e leia que ela fez dois doutorados (um deles em Biologia, a mesma área de Pasternak) em 1988, 2 estágios pós-doutorais (um em Biologia Molecular e outro em Neurobiologia e Comportamento pela Universidade de Columbia, onde o currículo lattes de Pasternak refere que é pesquisadora sênior adjunta), sendo docente em Neurociências desde 1997 até hoje em universidades de excelência acadêmica. Seu treinamento como psicanalista começou apenas em 2003 e levou 10 anos, muito mais do que qualquer titulação acadêmica anterior, devido às altas exigências envolvidas. Desde 2012, é psicanalista autorizada a receber pacientes em Nova Iorque. Estaria Alberini enganada quanto a fundamentação científica de ideias freudianas e psicanalíticas, à espera da leitura de “Que bobagem!” para ver a luz?

Passarei agora a apresentar resultados de ensaios clínicos randomizados controlados com cegamento e tratamento estatístico de dados com psicanálise e psicoterapia psicodinâmica que Pasternak e Orsi não mencionaram e nem discutiram, apesar de seguirem as diretrizes metodológicas que eles defendem no seu capítulo.

Lamento muito se a leitura daqui por diante for enfadonha. Ocorre que o trabalho detalhado e rigoroso da ciência não pode ser substituído pela verve comunicativa que provoca emoções intensas de forma apelativa, exemplificada por sentenças que estão no livro “Que bobagem!”, como “a psicanálise seria o homem-bomba do prédio das [ciências] humanas. Se explodir, leva todo mundo junto” (p. 186), ou “outra poderosa motivação para que se tente isentar a psicoterapia das obrigações científicas mais elementares é o enorme sucesso de púbico que as teorias psicanalíticas de Sigmund Freud obteve (sic) entre a intelectualidade europeia e norte-americana, principalmente entre as décadas de 1930 e 1970, quando passou a ser chique usar ideias derivadas dos trabalhos de Freud e de seus discípulos-hereges mais famosos (…)” (p. 185). Os breves resumos dos trabalhos apresentados a seguir demonstram que psicanálise e psicoterapias psicodinâmicas não têm se isentado “das obrigações científicas mais elementares”. Ao contrário, parece que o texto de Pasternak e Orsi é que se isentou “das obrigações científicas mais elementares” de referir tais estudos, nem que fosse para buscar refutá-los, o que faz parte do debate científico.

O texto do casal incorre também num erro de longa data que, infelizmente, ainda é comum e resulta em desinformação: a ideia de que “psicólogos que se dedicam à pesquisa científica e mesmo (…) inúmeros psicoterapeutas que (…) buscam basear suas práticas em boas evidências científicas (…) adotam a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)” (p. 183). Colocar apenas a TCC no grupo das “práticas baseadas em boas evidências científicas” e excluir dele a psicanálise “como exemplo típico de pseudociência” (p. 185) é uma concepção equivocada, binária e maniqueísta que não se baseia em evidências.

Na breve revisão que apresento, diversos autores demonstram que a qualidade da orientação metodológica dos ensaios clínicos randomizados controlados com cegamento e tratamento estatístico de dados com psicanálise e psicoterapia psicodinâmica é equivalente aos feitos com TCC. Muitos estudos comparam as duas técnicas quanto a sua eficácia e progressão dos efeitos após o encerramento do trabalho. Os estudos têm poucas discrepâncias em demonstrar que, para a maioria dos quadros clínicos, não há diferenças estatisticamente significativas entre ambas logo após o término do tratamento quanto à melhora de sintomas. Em alguns quadros clínicos, há estudos com resultados ligeiramente melhores em magnitude do efeito para uma ou para outra. Há estudos que demonstram que, além dos sintomas específicos do quadro clínico, o tratamento com psicanálise e psicoterapias psicodinâmicas contribui com aspectos mais amplos da vida da pessoa e seus efeitos tendem a aumentar a longo prazo mais do que ocorre com TCC.

Destaque-se que elenquei trabalhos oriundos de publicações científicas especializadas norte-americanas e europeias de renome que não são sustentadas por instituição psicanalíticas (negritado para realce de sua aceitação pela comunidade científica não psicanalítica), como Psychotherapy and Psychosomatics, American Psychologist, Cochrane Database of Systematic Reviews, Clinical Psychology Review, Lancet Psychiatry, World Psychiatry e Canadian Journal of Psychiatry, apenas para nomear alguns.

Os estudos citados são apenas um pequeno exemplo da qualidade do trabalho científico realizado com base na contribuição da psicanálise. A Associação Psicanalítica Internacional possui uma publicação (Leuzinger-Bohleber e Kachele, 2015)[9] de acesso gratuito, voltada para a divulgação e discussão de resultados de pesquisas amplamente conceituadas, que incluem estudos realizados com diferentes metodologias.

Na meta-análise conduzidas por Abbass, Kisely e Kroenke (2009)[10], verificou-se que a psicoterapia psicodinâmica, com expressa influência psicanalítica, tem um efeito estatisticamente significativo de reduzir uma variedade de sintomas físicos e psicológicos, aumentar a adesão ao tratamento e ocupação funcional e diminuir o uso de serviços de saúde. Vinte e um estudos, que representaram 91,3% do total de sua meta-análise, tiveram benefícios sintomáticos (significativo = 17; possível = 4) em relação à condição física principal. Onze de doze (91,6%) tiveram melhorias (significativas = 9; possíveis = 2) na função sócio-ocupacional. Dezesseis de vinte e um (76,2%) tiveram benefícios (significativo = 13; possível = 3) em sintomas psicológicos. Os autores comparam esses resultados favoravelmente com os de uma revisão semelhante de tratamentos cognitivo-comportamentais para distúrbios somáticos que encontraram benefícios sintomáticos significativos ou possíveis em 82% dos estudos, benefícios funcionais em 73% e benefícios psicológicos em 46%.

Shedler (2010)[11] realizou uma revisão extensa e aprofundada da literatura sobre ensaios clínicos feitos com psicoterapia psicodinâmica e também com terapia cognitivo-comportamental (TCC). Três pontos merecem destaque: 1. Os estudos realizados com psicoterapia psicodinâmica são tão rigorosos em sua fundamentação metodológica quanto os estudos com TCC; 2. Muitos resultados de tratamentos realizados com psicoterapia psicodinâmica apresentaram efeitos de maior magnitude do que aqueles realizados com TCC; 3. Enquanto na TCC os resultados são avaliados fundamentalmente através dos sintomas dos pacientes, os tratamentos realizados com psicoterapia psicodinâmica abrangem a sintomatologia e outros aspectos da personalidade dos pacientes.

Abbass, Kisely, Town, Leichsenring, Driessen et al. (2014)[12] encontraram em sua revisão sistemática publicada no importante portal científico Cochrane que psicoterapia psicodinâmica teve um efeito estatisticamente significativo na redução de várias condições clínicas, como sintomas psiquiátricos gerais (não psicóticos), ansiedade e depressão, bem como problemas interpessoais e ajustamento social. Em alguns dos estudos considerados pelos autores, houve aumento do efeito terapêutico a longo prazo após a descontinuação da psicoterapia.

A revisão da literatura de Kivlighan, Goldberg, Abbas, Pace, Yulish et al. (2015)[13] demonstrou que, embora existam mais artigos sobre ensaios clínicos randomizados controlados feitos com TCC, os ensaios clínicos randomizados controlados feitos com psicoterapia psicodinâmica são tão bem orientados metodologicamente (categoria denominada bona fide na literatura especializada) quanto os anteriores, inexistindo evidências de diferenças significativas na eficácia, magnitude e duração do efeito a longo prazo entre estes métodos.

Leichsenring, Luyten, Hilsenroth et al. (2015)[14] publicaram na revista Lancet Psychiatry, periódico científico de destaque, uma revisão sistemática da literatura descrevendo requisitos metodológicos de provas de eficácia e resumiram evidências relativas ao uso de psicoterapia psicodinâmica (PDT) para tratamento de transtornos mentais. Depois de especificar os requisitos para ensaios de superioridade, não inferioridade e equivalência, fizeram uma busca sistemática usando os seguintes critérios: ensaio controlado randomizado de PDT; uso de manuais de tratamento ou diretrizes semelhantes a manuais; uso de medidas confiáveis e válidas para diagnóstico e resultado; adultos tratados para problemas mentais específicos. Identificaram 64 ensaios clínicos randomizados que fornecem evidências de eficácia da PDT para transtornos mentais comuns. Estudos com poder suficiente para testar a equivalência com tratamentos estabelecidos, como TCC, não encontram diferenças substanciais quanto a eficácia. Esses resultados foram corroborados por várias meta-análises que sugerem que PDT é tão eficaz quanto os tratamentos estabelecidos em eficácia. Mais ensaios clínicos randomizados são necessários para alguns distúrbios de saúde mental, como transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático. Além disso, ensaios de equivalência com poder mais adequado são necessários.

Fonagy, Rost, Carlyle et al. (2015)[15] realizaram um ensaio randomizado controlado que testou a eficácia de psicoterapia psicanalítica de longo prazo (LTPP) como adjuvante ao tratamento usual de acordo com as diretrizes nacionais do Reino Unido (TAU), em comparação com o TAU sozinho, em pacientes com depressão severa de longa data que não se beneficiaram de pelo menos dois tratamentos diferentes, sendo considerados portadores de depressão resistente ao tratamento. Os pacientes (N=5129) foram recrutados na atenção primária e alocados aleatoriamente para as duas condições de tratamento. Foram avaliados em intervalos de 6 meses durante os 18 meses de tratamento e aos 24, 30 e 42 meses durante o seguimento. O desfecho primário foi a versão de 17 itens da Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton (HDRS-17), com remissão completa definida como pontuação HDRS-17 8 e remissão parcial definida como pontuação HDRS-17 12. Medidas de resultados secundários incluíram depressão avaliada pelo Inventário de Depressão de Beck – II, funcionamento social avaliado pela Avaliação Global de Funcionamento, bem-estar subjetivo classificado pelos Resultados Clínicos na Avaliação de Rotina – Medida de Resultado e satisfação com atividades avaliada pelo Questionário de Prazer e Satisfação de Qualidade de Vida. A remissão completa foi infrequente em ambos os grupos no final do tratamento (9,4% no grupo LTPP vs. 6,5% no grupo controle), bem como no seguimento de 42 meses (14,9% vs. 4,4%). A remissão parcial foi não significativamente mais provável no LTPP do que no grupo de controle no final do tratamento (32,1% vs. 23,9%, p=0,37), mas diferenças significativas surgiram durante o seguimento (24 meses: 38,8% vs. 19,2%, p=0,03; 30 meses: 34,7% vs. 12,2%, p=0,008; 42 meses: 30,0% vs. 4,4%, p=0,001).

Os escores de depressão baseados no observador e autorreferidos mostraram declínios mais acentuados no grupo LTPP, juntamente com maiores melhorias nas medidas de ajustamento social. Esses dados sugerem que o LTPP pode ser útil para melhorar o resultado a longo prazo da depressão resistente ao tratamento. Os autores concluem que avaliações de fim de tratamento ou acompanhamentos curtos podem perder o surgimento de benefício terapêutico tardio.

Leuzinger-Bohleber, Hautzinger, Fiedler et. al (2018)[16] fizeram um estudo comparativo da eficácia da tratamentos de longo prazo com terapia cognitivo-comportamental (TCC) e psicanálise (PAT) com pacientes cronicamente deprimidos. Comparam também efeitos da alocação preferencial ou aleatória dos pacientes entre os grupos. 252 adultos preencheram os critérios de inclusão (21-60 anos, depressão severa, distimia, depressão por pelo menos 24 meses, Inventário Rápido de Sintomas Depressivos [QIDS] >9, Inventário de Depressão de Beck II [BDI] >17, consentimento informado, não preenchendo os critérios de exclusão). As principais medidas de desfecho foram a autoavaliação da depressão (BDI) e a classificação (QIDS) avaliado pelo médico [QIDS-C]) por médicos independentes e cegos para o tratamento. Taxas de remissão total (BDI 12, QIDS-C 5) foram calculados. Um centro independente de gerenciamento de dados e bioestatística analisou os efeitos e diferenças do tratamento utilizando modelos lineares mistos (modelos multiníveis e modelos hierárquicos).

Como resultados, a depressão medida com BDI caiu, em média, de 32,1 pontos para 12,1 pontos no primeiro ano e 17,2 pontos em 3 anos. A média geral de tamanho de efeito de depressão medidas com BDI aumentou de d = 1,17 após 1 ano para d = 1,83 após 3 anos. A taxa de remissão aumentou de 34% após 1 ano para 45% após 3 anos. O tamanho de efeito geral do QIDS-C aumentou de d = 1,56 para d = 2,08, e a taxa de remissão aumentou de 39% após 1 ano para 61% após 3 anos. Não foram encontradas diferenças significativas entre PAT e TCC ou entre alocação preferencial e aleatória.

Os autores concluíram que ambos os tratamentos psicanalítico e cognitivo-comportamental de longo prazo levam a melhorias significativas e sustentadas dos sintomas depressivos de pacientes com depressão crônica, excedendo os resultados de outros estudos internacionais em tamanhos de efeito.

Pode-se supor que, em parte, uma excessiva grandiosidade de Rush tenha contribuído para que negasse sistematicamente os apelos de seus colegas para abandonar o projeto que o levou à morte junto com outros tripulantes. Além disso, há informações que se referem a uma possível ganância, pois ele “queria usar o Titan para mineração no fundo do mar. A revelação foi feita em uma entrevista para a revista de empreendedorismo Fast Company, em abril de 2017”[17].

Ainda que não fiquem claras as motivações de Pasternak e Orsi em depreciar a eficácia da psicanálise e da psicoterapia psicodinâmica, é importante que se destaque sua afirmação: “seguir usando impressões, vivências e narrativas como guias, quando há informação científica disponível, é não só perigoso como também irresponsável. O direito à própria opinião não implica direito à negligência” (p. 20). Que a negligência de seu livro acerca de evidências científicas sobre psicanálise e psicoterapias psicodinâmicas não leve ninguém ao afogamento. Afinal, fazer faltar o ar e outros insumos importantes para a vida é atitude negacionista corajosamente combatida por tantos e tão bons divulgadores da ciência.

[2] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/quem-e-stockton-rush-ceo-da-oceangate-e-um-dos-tripulantes-do-submarino-desaparecido/

[3] Pasternak, N. e Orsi, C. (2023) Que bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério. São Paulo: Contexto.

[4] Weingarten CP, Strauman TJ. Neuroimaging for psychotherapy research: current trends. Psychother Res. 2015;25(2):185-213. doi: 10.1080/10503307.2014.883088. Epub 2014 Feb 17. PMID: 24527694; PMCID: PMC4135014.

[5] Leuzinger-Bohleber, M. (2021). Contemporary Psychodynamic Theories on Depression. In: Jiménez, J.P., Botto, A., Fonagy, P. (eds) Etiopathogenic Theories and Models in Depression. Depression and Personality. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-030-77329-8_5

[6] Carhart-Harris RL, Friston KJ. The default-mode, ego-functions and free-energy: a neurobiological account of Freudian ideas. Brain. 2010 Apr;133(Pt 4):1265-83. doi: 10.1093/brain/awq010. Epub 2010 Feb 28. PMID: 20194141; PMCID: PMC2850580.

[7] https://blogs.scientificamerican.com/cross-check/why-were-still-fighting-over-freud/

[8] Bisaz R, Bessières B, Miranda JM, Travaglia A, Alberini CM. Recovery of memory from infantile amnesia is developmentally constrained. Learn Mem. 2021 Aug 16;28(9):300-306. doi: 10.1101/lm.052621.120. PMID: 34400531; PMCID: PMC8372561.

[9] Leuzinger-Bohleber, M. & Kachele, H. (Ed.). (2015). An open door review of outcome and process studies in psychoanalysis, 3rd ed. London, International Psychoanalytical Association.

[10] Abbass, A., Kisely, S. & Kroenke, K. (2009). Short-term psychodynamic psychotherapy for somatic disorders. Psychother Psychosom; Vol. 78, p. 265-274.

[11] Shedler, J. (2010). The efficacy of psychodynamic psychotherapy. Am Psychol, 65(2): 98-109. Doi: 10.1037/a0018378.

[12] Abbass, A., Kisely, S.R., Town, J.M., Leichsenring, F., Driessen, E., De Maat, S., Gerber, A., Dekker, J., Rabung, S., Rusalovska, S., & Crowe, E. (2014). Short-term psychodynamic psychotherapies for common mental disorders. Cochrane Database of Systematic Reviews, 7. Art. No. CD004687. DOI: 10.1002/14651858.CD004687.pub4.

[13] Kivlighan, D., Goldberg, S., Abbas, M., Pace, B., Yulish, N., Thomas, J., Cullen, M., Flückiger, C. & Wampold, C. (2015). The enduring effects of psychodynamic treatments vis-à-vis alternative treatments: A multilevel longitudinal meta-analysis. Clinical Psychology Review, 40, 1-14.

[14] Leichsenring F., Luyten P, Hilsenroth MJ, Abbass A, Barber JP, Keefe JR, Leweke F, Rabung S, Steinert C. Psychodynamic therapy meets evidence-based medicine: a systematic review using updated criteria. Lancet Psychiatry. 2015 Jul;2(7):648-60. doi: 10.1016/S2215-0366(15)00155-8. Epub 2015 Jun 30. PMID: 26303562.

[15] Fonagy P, Rost F, Carlyle JA, McPherson S, Thomas R, Pasco Fearon RM, Goldberg D, Taylor D. Pragmatic randomized controlled trial of long-term psychoanalytic psychotherapy for treatment-resistant depression: the Tavistock Adult Depression Study (TADS). World Psychiatry. 2015 Oct;14(3):312-21. doi: 10.1002/wps.20267. PMID: 26407787; PMCID: PMC4592654.

[16] Leuzinger-Bohleber M, Hautzinger M, Fiedler G, Keller W, Bahrke U, Kallenbach L, Kaufhold J, Ernst M, Negele A, Schoett M, Küchenhoff H, Günther F, Rüger B, Beutel M. Outcome of Psychoanalytic and Cognitive-Behavioural Long-Term Therapy with Chronically Depressed Patients: A Controlled Trial with Preferential and Randomized Allocation. Can J Psychiatry. 2019 Jan;64(1):47-58. doi: 10.1177/0706743718780340. Epub 2018 Nov 1. PMID: 30384775; PMCID: PMC6364135.

[17] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/submarino-titan-seria-usado-para-explorar-petroleo-e-gas-disse-dono-da-oceangate/?hidemenu=true

Rogerio Lerner é psicólogo, mestre, doutor e livre-docente em Psicologia (Universidade de São Paulo-USP). Pós-doutorado em Psiquiatria (Universidade Paris 6). Professor Associado III do Instituto de Psicologia e Professor Subsidiário do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Membro do Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância e Investigador Principal do Centro Brasileiro para o Desenvolvimento da Primeira Infância (INSPER/ FMCSV/ HARVARD/ FAPESP/ USP/ FUND BERNARD VAN LEER), Membro do Comitê Científico da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), Co-chair do Research Training Programme e da Joseph Sandler Psychoanalytic Research Conference da IPA. rogerlerner@usp.br 

Imagem: Shutterstock (n. 1767013238)

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.       

O psicanalista Rogerio Lerner também manifestou sua opinião no artigo “Psicanálise é ciência? SIM” publicado na seção Tendências e Debates da Folha de S. Paulo, no dia 05/08/2023. Leia aqui



Comentários

17 replies on “Que bobagem é o negacionismo de evidências científicas abundantes sobre psicanálise e psicoterapias psicodinâmicas!”

Liliana Liviano Wahba disse:

Resposta excelente e indispensável para tanta arrogância rasa de substância que, entretanto, por ser midiática e provir de uma pesquisadora (que fique em seu campo apesar que o teor do escrito me faz duvidar de sua capacidade) pode afetar os incautos. Parabéns!

Elsa disse:

Paranéns, Rogério, pelo belo e sério trabalho em resposta a tantas bobagens publicadas pela dupla Pasternak e Orsi!!

DENISE SALOMAO GOLDFAJN disse:

Excelente e necessário, muito obrigado pelo texto.

Rosana Zakabi disse:

Parabéns pelo artigo, Rogério, muito bom! Por que você não envia para o Estadão? Acho muito interessante inclusive para o público em geral.

Cássia Barreto Bruno disse:

Rogério, você coloca a discussão num outro patamar. Se é para falar de Ciência, sua exposição anula a cientificidade de Pasternak e mais, traz para a conhecimento um trabalho, este sim científico de alto nível , que vem sendo realizado a propósito de descobertas da Psicanálise e comprovação científica. Muito obrigada.

Camila Salles Goncalves disse:

O artigo e excelente. Nao precisaria da ocasiao que o trouxe para um publico maior, o besteirol dos 2 pseudo cientistas. Costumo pensar, a partir de estudos de Popper e outros filosofos das ciencias, talvez ja ultrapassados, que nao ha sentido em “provar” que uma teoria e cientifica. Mas a pesquisa divulgada por esse texto tem entre outras qualidades, o merito cientifico de mostrar que teorias hipoteticas psicanaliticas podem ser cientificamente corroboradas.

Izabella disse:

Excelente e necessária resposta!

Lilian Quintao disse:

Parabéns Rogério! Você deu a resposta indispensável ao monte de afirmações levianas e sem embasamento científico, como os autores tanto criticam. E mostrou como se faz pesquisa em psicanálise, q não somos um bando de charlatões. É assim q se faz! Obrigada por defender essa profissão q nos exige tanto.

Wagner Ranña disse:

Parabéns Rogério! Texto excelente e importante. Sua colaboração é inestimável e já mostrou a eficiência desde o ataque semelhante que a psicanálise foi objeto sobre a clínica do autismo.

Paulina H.Ghertman disse:

Parabéns Rogério.Que seu belíssimo texto sirva de modelo a quem procura trabalhar de forma séria e consistente.Um grande abraço e meus cumprimentos

Simone Accetta Groff disse:

Agradeço ao colega Rogério pela resposta dada com a preocupação de ser imensamente criterioso e comprometido com a verdade dos fatos. Parabéns !!

LUCIA EMILIA NUEVO BARRETO BRUNO disse:

Ótimo texto sobre o livro de dois oportunistas que a mídia corporativa vem divulgando. Só o nome do livro já indica a miséria intelectual dos autores.

Adriana de Souza Franco disse:

Parabéns pelo texto, excelente.

Maria Tereza disse:

Parabéns pelo rico texto!

Daniel Delouya disse:

Ótimo texto, parabéns Rogério pela sua pesquisa.
A legitimidade empírica da psicanálise pelas ciências biológicas é uma preocupação da IPA e seu comitê o qual vc integra de forma essencial e importante.

Alexandre Maia do Bomfim disse:

Agradeço os seus esclarecimentos… Lamento muito que a Pasternak tenha enveredado por esse caminho de defender uma ciência positivista modernosa, porque ela, quanto representante da ciência, foi muito importante no período da pandemia, ali sim apareceu para combater a pseudociência e o obscurantismo. Mas, agora errou a mão e muito. A Ciência é a forma de construir o conhecimento através da pesquisa, claro que é um caminho bem-sucedido, mas pode errar, pode estar no meio da caminho, precisa debater, precisa se rever… Por vezes, precisa ver o processo histórico seguir, precisa até esperar… Fico pensando aqui nos físicos teóricos antes de Einstein que “cientificamente” perseguiam o “éter” para explicar as ondas eletromagnéticas… Não há nada pior do que uma “ciência arrogante”…

Debora disse:

Excelente exposição com evidências da importância e critérios científicos da psicanálise. O livro “Que bobagem…” é a fiel tradução de conflitos de interesses e desconhecimento do tema abordado.

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