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Por que Meltzer? – Um depoimento

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Narro o início do meu contato com Donald Meltzer durante uma supervisão (1979), a partir da qual o interesse pelo seu pensamento clínico levou-me a segui-lo em supervisões e seminários até próximo de seu falecimento (2004). Neste texto há um relato minucioso da obra de Meltzer, suas principais contribuições originais, pondo em evidência seu talento para a transmissão da psicanálise por meio de seus escritos e seminários clínicos que ocorreram principalmente na Europa e na América Latina. Esteve em São Paulo por duas vezes, e destas visitas resultou a publicação de seminários clínicos sob o título de Meltzer em São Paulo. Vários livros reuniram seus seminários clínicos, e um deles, Clínica Psicoanalitica con ninõs y adultos, do grupo psicanalítico de Barcelona, foi por nós organizado para ser publicado em Português sob o título de Clínica psicanalítica com crianças e adultos, Editora Blucher (2021), e é referência para o grupo de estudos “Clínica de Meltzer,” que funciona mensalmente há dois anos na SBPSP.

Meu contato com Meltzer teve início em 1979, quando ele esteve na Sociedade de Psicanálise de São Paulo com Martha Harris, ambos psicanalistas da Sociedade Britânica de Psicanálise. Nesse encontro, apresentei material clínico de uma criança pós-autista, o que me pôs em contato com a profundidade de seu pensamento clínico e as contribuições aos estados autísticos publicados em seu livro Exploration in Autism.

Daí por diante e até seu falecimento (2004), continuei seguindo-o em seminários, supervisões, conferências e lendo seus escritos. Considero–o um psicanalista com experiência clínica das mais completas, com seu percurso pela Infant Observation, pela Análise de Crianças Adolescentes e Adultos, e seu trabalho com grupos e famílias.

Meltzer escreve levando em conta e fazendo aparecer em sua descrição todos os personagens de seu mundo de vivências, e como um coreógrafo talentoso ou um condutor de orquestra, vai afinando todos os instrumentos que possui, integrando-os numa sinfonia. É assim que o vejo fazendo suas explorações em psicanálise, literatura, poesia, mitologia e filosofia; deste modo, “ouço” uma ampliação do som da psicanálise ao ler seus textos.

A produção escrita de Meltzer é bem extensa. Para esta ocasião vou privilegiar alguns livros:

Em 1984, Meltzer publica Dream Life: A Re-examination of the Psychoanalytical Theory and Technique, em que faz, primeiramente, uma revisão da teoria e da técnica psicanalítica para então nos brindar com uma nova teoria da vida onírica. Partindo da contribuição de Bion, que vê o sonho como uma forma de pensamento inconsciente equivalente às ações dos bebês e ao brincar das crianças pequenas, Meltzer progride para uma nova teoria do simbolismo. Os sonhos estão situados no núcleo do processo de pensar a respeito do significado de nossas experiências emocionais. Os sonhos são manifestações do drama dos objetos parciais com aspectos do objeto interno combinado, agindo como protagonista no “teatro gerador de significado”. A vida onírica é um continuum na qual o significado é continuamente gerado pelos objetos internos. Para Meltzer, a produção onírica é o mais criativo nível da função mental, é o “nível apresentacional”. O restante da comunicação é visto como nível “discursivo”. Neste livro, Meltzer convida o analista a explorar o sonho do paciente com este, a explorar as cenas visuais do sonho e as associações, enquanto o analista vai tendo seu sonho a partir desta experiência com o paciente. Assim, ele poderá fazer formulações e oferecer hipóteses que digam respeito, em primeiro lugar, à relação paciente e analista. Este modo de trabalhar com os sonhos do paciente vem de toda uma postura de observação e descrição da experiência durante o encontro analítico.

Finalmente, Dream Life vai ser lançado pela Editora Blucher em Português em 15/Set/2022 sob o título Vida Onírica .

Em 1996 Meltzer esteve em São Paulo a convite da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo para dar seminários e conferências. Nesse encontro, ele falou em Ateliê de Psicanálise, atividade que iniciou em viagens pelo mundo com Martha Harris. O Ateliê considera a psicanálise como um processo de desenvolvimento protegido, e não uma resolução de conflitos do instinto. Esta é a proposta de Bion, segundo Meltzer. Durante os seminários clínicos, ele foi descrevendo seu modo de trabalhar e de ver a psicanálise. Entre tantas descrições, cito: “O caminho para explorar a transferência é sempre baseado naquilo que se observa, e não no que o paciente diz; quando ocorre o contrário trata-se de transferência pré-formada: o paciente conta a sua história e está “programando” o analista quanto ao modo como quer ser entendido”. “A análise é um processo humano extraordinário e as pessoas ficam ligadas à análise, não pelas qualidades do analista, mas pelas qualidades deste método extraordinário criado por Freud e que continua a ser desenvolvido”. “É uma grande tentação, à luz da história psicanalítica, analisar a psicopatologia, mas o que se exige do analista no método analítico é que ele analise os processos mentais e observe a transferência e a contratransferência”.

Estas citações fazem parte do livro: Meltzer em São Paulo, 1996, Ed. Casa do Psicólogo, organizado sob forma de uma coletânea dos seminários ocorridos durante esse encontro. Este livro foi também editado em inglês pelo The Harris Meltzer Trust e publicado por Karnac, em 2017, sob o título Meltzer in Sao Paulo.

Em 1988, Meltzer publicou Apprehension of Beauty, em que colocou a emoção e a experiência emocional no centro do desenvolvimento humano e da psicanálise. O pensar e sua evolução dependem de como dar significado às experiências emocionais. Para Meltzer a experiência emocional inicia-se no útero, e o parto é concebido não como uma experiência traumática, mas como o contato com a beleza do mundo externo, a princípio, o rosto, os olhos e os mamilos da mãe. Este encontro põe em marcha o que Meltzer chamou Conflito Estético.

Na década de 1980, Meltzer dedicou-se ao estudo dos sonhos e da formação simbólica, deixando para trás a psicopatologia, à qual ele retorna em 1992 ao publicar o livro Claustrum, uma investigação dos Fenômenos Claustrofóbicos.

Em 1994 foi publicada uma coletânea de sua obra com artigos por ele revisados, sob o titulo Sincerity and Other Works  e traduzido por Sinceridade y Otros Trabajos, publicado em 1997 pela editora Spatia.

 

Marisa Pelella Mélega é psicanalista didata da SBPSP. 
www.marisamelega.med.com.br

Imagem: Psychoanalysis.org.uk

“As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.” 



Comentários

4 replies on “Por que Meltzer? – Um depoimento”

Vargas Villa Batista de Oliveira disse:

Excelente explanação que serve de ponta pé inicial para quem deseja se aprofundar nesse autor e prosseguir nessa jornada do mundo da transmissão da psicanálise.

Marta Foster disse:

Excelente Marisa! A forma com que você foi descrevendo sua experiência com Meltzer e as publicações dele, mobiliza o interesse pela sua valiosa obra. Muito obrigada!!!

Ideli Amaral dos Santos disse:

Meltzer enriquece a obra psicanalítica, mostra sua profundidade até onde pôde ir no seu trabalho. Minha empatia e admiração tem a ver com o fato de ter vivenciado algumas dessas experiências, no meu trabalho, as quais ele explica e nomeia.

LIgia Todescan Lessa Mattos disse:

Muito boa a apresentação dos livros de Meltzer e os destaques que a autora fez sobre o que Meltzer definia como processo psicanalítico.

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