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O sentido da criação: Melanie Klein

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Melanie Klein (1882-1960) nasceu em Viena, na Áustria, em 30 de março, e mais tarde mudou-se para Londres, onde passou a maior parte de sua vida. A Viena em que nasceu, capital de um império, passava por importantes reformas sociais, lideradas pelo antissemita Karl Lueger.

Esse contexto de grandes mudanças pode ser bem representado pelo desenvolvimento da literatura ao longo de sua vida. No final do século XIX, os movimentos literários eram dominados pela corrente realista, que se prolongou no século XX com o neorrealismo. Refletia as preocupações e o pessimismo de alguns autores, como Aldous Huxley, Marcel Proust e James Joyce. ​Mais tarde, depois da Segunda Guerra Mundial, Jean-Paul Sartre e o Existencialismo influenciaram autores como Albert Camus, autor de obras como “O Estrangeiro”. Uma nova geração de escritores passou também a interessar-se pela psicologia e pela vida interior, a exemplo de Samuel Beckett.

Melanie era filha de um médico polonês judeu, Moritz Reizes, sem grande prestígio, e muito mais velho que sua mãe, Libussa Reizes. Sua irmã, mais velha que ela, Sidonie, morreu quando Klein tinha quatro anos, e seu querido irmão Emmanuel morreu aos vinte. A menina Melanie era ambiciosa, sonhava em estudar medicina e talvez seguir carreira na psiquiatria. Porém, por volta dos dezoito anos, ficou noiva de Arthur Klein, casando-se aos vinte e um. Em 1911, a família Klein mudou-se para Budapeste, onde Melanie tornou-se paciente de Sandor Ferenczi, amigo de Freud e um dos mais brilhantes psicanalistas de seu tempo. Em 1914, vários acontecimentos marcaram a sua vida: o nascimento de seu terceiro filho, a morte de sua mãe e a leitura de “Interpretação dos Sonhos”, de Freud. A partir de então, encorajada por Ferenczi, começa a cogitar a ideia de tornar-se analista.

Seus sonhos e ambições começam a se tornar realidade em 1921, quando se muda para Berlim. Klein foi uma das primeiras psicanalistas a trabalhar com crianças, área que na época não parecia essencial para alguns. Brilhante no campo da psicanálise infantil, começou a trabalhar com filhos de colegas (também com seu filho), que acreditavam na psicanálise como tratamento preventivo, até estabelecer um método. Tornou-se amiga de Alix Strachey (ambas faziam análise com Karl Abraham), que ficou interessada em suas ideias a ponto de trazê-la para a Inglaterra, inicialmente para uma série de palestras e mais tarde, em 1926, para fixar residência. Klein encontrou um ambiente ideal em Londres. Os analistas ingleses mostravam maior interesse no trabalho com crianças. Suas técnicas utilizavam brinquedos e jogos, em paralelo ao uso de sonhos e da associação livre na análise com adultos. Posteriormente, em 1933, a morte do seu filho Hans em um acidente despertaria a dor de todos os precedentes, reforçando a sua postura depressiva.

As ideias de Klein impactaram aqueles que se apegavam a uma imagem sentimental e idealizada da infância. Ela considerava que as crianças apresentam uma natureza primitiva e agressiva. O bebê de suas observações está tão cheio de amor quanto de ódio, sendo atormentado pela ansiedade das frustrações e pelos perigos do mundo, tanto quanto por seus próprios impulsos, em grande medida agressivos e destrutivos. O bebê invejoso, voraz e sádico, sente raiva e medo constantemente. Além disso, e em contraposição à Freud, Klein acreditava que o conflito edipiano tinha início muito antes dos quatro anos de idade. Afinal, com menos de um ano o bebê já caminha para a “posição depressiva”, estágio no desenvolvimento em que a criança começa a reconhecer a dependência de outras pessoas e o efeito de suas ações sobre os outros. Essa constatação leva a sentimentos de culpa e tristeza, necessários para o desenvolvimento da empatia e da socialização, pois a forma como administra as ambivalências e busca reparar os danos que imagina provocar à pessoa amada vai determinar a sua futura personalidade.

Klein nomeou de “posição esquizo-paranoide” o tempo inicial de desenvolvimento de uma criança, quando ela é incapaz de diferenciar entre os seus próprios pensamentos e emoções e aqueles dos outros. Essa situação pode levar a sentimentos de perseguição e ansiedade, que por sua vez podem ser trabalhados com a ajuda de um psicanalista. O trabalho de Klein com crianças fortaleceu e eternizou a ludoterapia, palco para a observação e trabalho com as emoções. O conceito de “objeto interno”, em referência a uma representação mental que será internalizada poderá ser positiva ou negativa, afetando a forma como a criança se relaciona com seu universo de objetos, internos e externos, incluindo o analista. Outro de seus conceitos fundamentais é o de “identificação projetiva”, um processo pelo qual se projetam partes de si mesmo ou de seus sentimentos em outra pessoa ou objeto. Trata-se de um processo inconsciente complexo, que pode ser difícil de identificar, ainda que seja essencial para a compreensão da psiquê humana e para a prática da psicanálise. 

Os debates em torno de suas ideias se intensificaram com a Segunda Guerra Mundial, que levou uma série de refugiados (incluindo Sigmund e Anna Freud) para a Inglaterra. Melanie sempre insistiu que o seu trabalho era uma ampliação da psicanálise de Freud. Tratava-se, em certa medida, da organização da ideia das pulsões de vida e de morte. No entanto, as teorias e práticas de Klein foram se tornando cada vez mais articuladas e independentes, o que deu origem a escola Kleiniana, com seus próprios princípios. Outro significativo sofrimento enfrentado por Klein foi sua relação com sua filha Melitta, que se opôs a várias de suas ideias durante a guerra, de modo que elas nunca mais se reconciliaram.

Assim como aconteceu com outros grandes psicanalistas, como o próprio Freud, a energia criativa de Melanie Klein não cessou até a sua morte. Ainda em seu último ano de vida, publicou estudos importantes, como “O sentimento da solidão”, artigo póstumo publicado em 1963, que confirma a sua ideia de que fatores externos e internos têm um peso importante no aumento ou na atenuação de nossa solidão.

Fontes:

-Margareth Walters – Radio BBC

-Volume III das obras completas de Melanie Klein. 

 

Adriana Maria Nagalli de Oliveira é membro efetivo e docente da SBPSP e membro efetivo e analista didata da SBPCamp.

Imagens: Melanie Klein nos anos 1900 e 1950 (Fonte: Wikimedia Commons)

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.    



Comentários

One reply on “O sentido da criação: Melanie Klein”

Maria José de Albuquerque disse:

Um resumo com ótimas reflexões sobre a vida e obra da nossa querida Melani klein

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