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Notas sobre Adolescência e Psicanálise

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A etimologia da palavra adolescência tem raiz latina e dupla origem. Tanto vem do latim ad (a, para) e olescer (crescer) significando assim, pessoa capaz de crescer. Quanto vem também de adolescer que é a origem da palavra adoecer, ou seja, pessoa apta a adoecer. (Outeiral, 2003, p.4).

Esta dupla origem já nos remete à complexidade que envolve a adolescência e às ambiguidades vividas pelo adolescente durante sua travessia. É tempo de se desenvolver, crescer, seguir adiante. É tempo também de experimentar os sofrimentos e adoecimentos que perpassam esta travessia: a adolescência.

Uso aqui a palavra travessia inspirada na imagem de uma ponte que une a dimensão infantil e pré-adolescente do jovem, ao início da dimensão adulta. A travessia se dá por esta ponte na qual o que é real se apresenta, como nos ensina Guimarães Rosa. Diz ele: “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” (1994, p. 85).

Seguindo com essa lente, logo percebemos que a adolescência não se resume a somente uma fase entre a infância e a adultez, mas sim que vai mais além: o adolescente está sendo, está constituindo uma nova identidade durante sua travessia. Esta mudança de olhar pode fazer toda a diferença na relação com um adolescente.

Faz parte de ser adolescente, viver mudanças corporais que, além de serem rápidas, muitas vezes são experimentadas como impostas e fora de controle. O corpo não pede permissão para mudar. Isto reforça a vivência do adolescente de ser estranho para si próprio, ou mesmo, em alguns casos, de ser habitado por um estranho. Este estranho vem a ser o novo corpo, o corpo da adolescência.

É este novo corpo que pede a constituição de uma mente que o acompanhe e que dele se aproprie, dando andamento ao desenvolvimento psicossexual do jovem. A mente da infância já não consegue acompanhar as rápidas mudanças corporais que se impõem.

Daí a importância do trabalho psicanalítico durante a adolescência quando surgem sofrimentos e adoecimentos psíquicos. Estes podem ser decorrentes do descompasso corpo-mente e da própria crise adolescente. Esta crise inclui abandonar a infância, o corpo infantil e a relação infantil com os pais, o medo de crescer e se lançar no mundo e a angústia de não saber no que irá se tornar. O adolescente se pergunta como é que vai lidar com sua potência: vai assumi-la, vai negá-la, explodi-la ou conseguirá transformá-la? Será que vai se tornar um adulto, sendo quem ele é?

O trabalho psicanalítico favorece a expansão da psique do jovem, que conta com a escuta e o olhar clínicos, possibilitando a transformação de emoções não pensadas em palavras, imagens ou pensamentos oníricos. Lembro aqui a importância para o jovem, de experimentar o caos e a turbulência inerentes à adolescência. É através do processo psicanalítico que o adolescente na parceria com seu (sua) analista, cria a possibilidade de viver este caos e de atribuir sentidos e representações para as vivências que tanto o assustam:  para sua dor psíquica.

Durante a pandemia da Covid-19, tenho observado nos atendimentos online de adolescentes, um incremento de angústias e ansiedades. Conjecturo que a situação da pandemia fez vir à tona essas angústias ameaçadoras e medos terroríficos. Tal como nesta fala:

Não quero entrar em contato com ninguém novo agora; qualquer pessoa diferente me deixa muito assustada, com muito medo de ser contaminada!”

Penso que esta jovem está me contando que além do medo do vírus da Covid- 19, também está às voltas com outros fantasmas assustadores: ser contaminada pelo medo que sente do outro, do diferente, daquilo que não é familiar. Medo que essa condição de ser um outro – a alteridade – a contamine de maneira avassaladora e que ela adoeça. A função sonhante da analista é que vai dando contorno a estes pavores trazidos para a sessão, criando assim, possibilidades de conversa e de simbolização.

Muitas vezes, frente ao desamparo e à solidão decorrentes dos lutos que estão em curso e dos remanejamentos identificatórios vividos, o adolescente resiste a pedir ajuda. Ele pode estar mergulhado numa ilusão de autossuficiência criada como uma proteção contra essas emoções (desamparo e solidão) ou mesmo confundindo “ser adulto com não precisar de mais ninguém”. Em momentos como este, é que ele sente a ponte balançar. 

                                           

 

Outras vezes os cuidados dos pais, professores e demais adultos, são vividos pelo jovem como ameaças ao seu processo de individuação. Vale lembrar que a individuação é necessária ao desenvolvimento, mas não é um processo linear. Ao contrário, é permeado de avanços e recuos, conflitos, dúvidas e conquistas.

Como nos lembra Outeiral (2006), desde sua origem, a Psicanálise está ligada ao atendimento e estudo da adolescência. Seu descobridor, Sigmund Freud, também foi um analista de adolescentes. Embora esta sua faceta seja menos conhecida do que seu trabalho com adultos, Freud escreveu três casos clínicos de adolescentes de dezoito anos que atendeu: Dora, Katharina e a jovem homossexual (“A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher”).[1]

Além disto, Outeiral (2006), destaca que a adolescência foi alvo do interesse e trabalho de Freud em inúmeros artigos. Cito alguns: “Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen” (1907), “Conferências Introdutórias – Conf. XII” (1916-17), “Atos obsessivos e práticas religiosas” (1907), “Os três ensaios – As transformações da puberdade” (1905), “Interpretação dos sonhos” (1900), “Contribuições a um debate sobre a masturbação” (1912), “Um distúrbio de memória na Acrópole” (1936).

Gostaria de ressaltar o artigo “Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar” (1914/1996) no qual Freud, próximo dos sessenta anos, lança um olhar retrospectivo sobre sua infância e juventude, iluminando a ambivalência amorosa que cerca a relação do jovem com seus pais e professores, e experimentada por ele também.

Penso que esta longa parceria entre a psicanálise e a adolescência continua sendo fertilizada pelos adolescentes atendidos no dia a dia da clínica. Eles trazem a cada sessão a necessidade de o analista criar ali uma psicanálise que seja nova e subjetiva, com a cara deste jovem que está sendo ouvido e fruto deste vínculo tão singular: o vínculo analítico.

Referências bibliográficas:

Freud, S. (1996). Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, (O. Carneiro Muniz, Trad., V. 13, pp. 244-250). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914).

[1] Freud, S. (1972). Fragmento da análise de um caso de histeria. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, (v. 7 – Caso Dora: 1905). Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S., Breuer, J. (1974). Casos clínicos. In S. Freud, J. Breuer, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (v.2 – Caso Katharina: 1893). Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (1976). A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, (v. 18 – Jovem homossexual: 1920). Rio de Janeiro: Imago.

Outeiral, J. O. (2003). Adolescer: estudos psicanalíticos revisados sobre adolescência. Rio de Janeiro: Revinter.

Outeiral, J. O., Celeri, E. H. R. (2006). Freud: um psicanalista de adolescentes. Revista Brasileira de Psicanálise, v.40 (1), 43-54.

Rosa, J. G. (1994). Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar.

 

Giovanna Albuquerque Maranhão de Lima é psicanalista. Membro associado da SBPSP e da equipe da Diretoria Científica da SBPSP.

Imagens: “Saltador” e “O equilibrista”, de Paul Klee (1879-1940) 



Comentários

5 replies on “Notas sobre Adolescência e Psicanálise”

adairarte2015@gmail.com disse:

Bom trabalho. Com objetividade, a autora levanta questões desse período da adolescência, tornando simples para o entendimento comum, um assunto de grande complexidade na minha opinião de leiga! Parabéns Giovanna!

Miriam Altman disse:

Escrito com profunda sensibilidade e conhecimento, Giovanna esta de parabéns quando fala com tanta propriedade dos adolescentes! Obrigada pelas referências que traz.
Nos estimula e instiga a curiosidade a respeito desse período da vida que ao mesmo tempo é sofrido e encantador.

Marilia Amaro disse:

Parabéns Giovanna, com uma escrita clara e profunda, você conseguiu passar uma ampla visão das várias facetas da adolescência, período de grande turbulência, que Winnicott compara à travessia no cabo das tormentas. É um período em que a psicanálise tem muito para ajudar!

Paulina Cymrot disse:

Agradeço a sua contribuição, Giovana.
Paulina Cymrot

Miriam Altman disse:

Aqui vai meu comentário atualizado:
adorei reler o texto, ele está realmente muito bom, sensível e ao mesmo tempo senti a paixão da autora, sua proximidade pelo sofrimento profundo do adolescente, que é passar pelas dores e angústias da travessia deste período.
As gravuras foram escolhidas a dedo, pois exprimem artisticamente o que pode exprimir pelas palavras. Parabéns amiga!

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