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Melanie Klein: ontem, hoje e amanhã

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Elizabeth Lima da Rocha Barros
Elias M da Rocha Barros

Se viva estivesse, Melanie Klein completaria 135 anos no dia 30 de março de 2017. O que devemos comemorar nesta data? Sua figura histórica? O fato de ter sido a criadora da análise de crianças? Ou o caráter vivo de seu pensamento? Este último ponto, que continua a fertilizar o desenvolvimento da Psicanálise Contemporânea, será o eixo de nossa atenção.

Melanie Klein atualmente ganhou autonomia em relação à sua posição dentro do pensamento psicanalítico, limitada historicamente pelo fato de ter sido considerada chefe de uma Escola, para integrar o mundo das ideias psicanalíticas contemporâneas.

Dessa forma, hoje Klein já se libertou da limitação que o adjetivo “Kleiniana” lhe impunha, que por sinal ela sempre rejeitou, por se ver como uma continuadora de Freud. Foi ela quem apresentou o complemento mais importante à teoria freudiana da mente humana depois da fundação da nossa disciplina. É também a autora que gerou um grande número de controvérsias. Hoje sabemos que estas controvérsias deram ensejo a um período muito fértil de discussões, que se revelaram fundamentais, e continuam a dar frutos no que tange ao desenvolvimento do pensamento psicanalítico atual.

A partir deste ângulo, devemos olhar para o pensamento de Melanie Klein como uma obra aberta, que se reinventa a cada contato com o pensamento contemporâneo e o fecunda. Assim, ela continuará a inspirar novas perspectivas e a semear novos conceitos derivados a partir da compreensão profunda de suas ideias.

Conhecer é terapêutico

Correu pelas redes sociais da internet nos últimos tempos uma mensagem com uma foto de Melanie Klein, acompanhada de um pensamento a ela atribuído. O texto dizia: “Quem come do fruto do conhecimento é expulso de algum paraíso.” Esta postagem é emblemática daquilo que comemoramos.

 

Curiosamente a postagem alude a uma das contribuições mais importantes de Klein: a de que pensar não serve apenas à função de adquirir conhecimento. Ser capaz de pensar as próprias emoções altera profundamente a maneira de o indivíduo estar no mundo. Klein, portanto, introduz na psicanálise a noção de que “conhecer” por meio da libertação e da ampliação da capacidade de pensar é terapêutico, pois promove a integração das experiências emocionais ao cerne de nosso ser, e assim, gera amadurecimento emocional.

O paraíso do qual o indivíduo que conhece é expulso refere-se à libertação de uma falsa segurança baseada num estado de espírito que prima pela superficialidade e pelo descompromisso afetivo em suas relações humanas, sustentado em idealizações. Deixar de ser superficial por meio do aprimoramento de nossa capacidade de reflexão, ser profundo e responsável em nossas relações interpessoais, torna-se fator de saúde mental na concepção da Psicanálise que hoje praticamos. E esta premissa deriva diretamente da obra de Klein.

O desenvolvimento humano, na concepção de nossa autora, não é linear. Ele é dialético e mais próximo de um processo em espiral. Visto que a saúde mental está sempre ameaçada em sua estabilidade, ela deve ser permanentemente reconquistada. A saúde ou o equilíbrio mental não são consequências naturais de um desenvolvimento bem sucedido e, de certa maneira, pré-programado.

Na obra de Klein, o processo de aquisição de conhecimento tornou-se um conceito com estatuto metapsicológico. Esta ideia foi e é nova e, pouco a pouco, se incorporou à maior parte das teorias da psicanálise contemporânea.

A “pulsão para conhecer”

Klein desenvolve sua vocação psicanalítica impelida pelo desejo de compreender os mecanismos da inibição que impedem uma criança de desenvolver plenamente suas capacidades emocionais e cognitivas. Descobre progressivamente que essa criança é vítima de uma tirania imposta por suas fantasias inconscientes destrutivas que a impedem de exercer sua curiosidade sobre o mundo das coisas e das pessoas, inclusive sobre si mesma.

O medo é a base da tirania e gera uma realidade psíquica coercitiva baseada na lei do talião e na violência da pulsão de morte. Só a libertação de nossa capacidade de amar, baseada na compreensão da lógica que subjaz às nossas fantasias inconscientes, pode nos liberar e permitir o pleno florescer de nossas capacidades afetivas e intelectuais. Temos neste começo de suas indagações as raízes de sua concepção daquilo que chamou “instinto epistemofílico” e, depois, “pulsão para conhecer”. Esta ideia deu origem posteriormente à teoria dos elos K e -K na obra de Bion.

Pascal dizia que os instintos são as razões do coração sobre as quais a razão nada sabe. Klein procura decifrar essas razões do coração por meio da compreensão do sentido e significado daquilo que ela caracteriza como fantasias inconscientes. Essas são derivadas e ao mesmo tempo são organizadoras das experiências emocionais, constituindo-se em núcleos geradores de significado. As fantasias inconscientes, ao se constituírem núcleos geradores de significados para a vida psíquica, acabam por moldar e, às vezes, deformar as demais experiências emocionais a elas associadas.  Fantasia inconsciente é, antes de tudo, um modo ativo de pensar inconsciente que adquire certa estabilidade, gerando significados que vão se agrupar em torno de um núcleo atribuidor de significados. Este opera como um organizador da vida psíquica e, assim, cria elos com outras experiências emocionais.

Fantasias inconscientes traumáticas dão forma a uma situação vivida que, num primeiro momento, foi incompreensível ou intolerável.

Em Klein, as emoções passam a ser consideradas, na estrutura psíquica, como algo comparável ao tecido conectivo e operam como elos entre os diversos níveis das instâncias psíquicas e as vivências correspondentes. É Bion, mais uma vez, um dos mais criativos continuadores do pensamento kleiniano, que desenvolverá este aspecto com grande riqueza ao estudar os ataques a estes elos. E hoje sabemos como estes ataques afetam a capacidade de simbolização dos indivíduos.

Para Melanie Klein e seus seguidores, as pessoas não sofrem apenas devido a carências, traumas ou repressões. Elas sofrem também de falta de experiências emocionais que propiciem um desenvolvimento/crescimento. Nesta perspectiva, não basta que a psicanálise seja efetiva no levantamento de repressões que impedem certos pensamentos ou sentimentos de virem à luz ou propicie um ambiente facilitador, visando reparar situações de carências passadas.

É dentro da perspectiva oferecida pelas contribuições acima descritas que Melanie Klein merece ser lembrada e comemorada.

 

Elias Mallet da Rocha Barros é analista didata da SBPSP, recipiente do prêmio Sigournei, Fellow da Sociedade Britânica de Psicanálise e de seu Instituto, Chair Latino Americano da Força Tarefa para a produção do Dicionário Enciclopédico de Psicanálise a ser publicado pela IPA

Elizabeth L da Rocha Barros é analista didata da SBPSP, Fellow da Sociedade Britânica de Psicanálise e de seu Instituto, DEA em Psicopatologia pela Sorbonne.



Comentários

7 replies on “Melanie Klein: ontem, hoje e amanhã”

Ótimo artigo. Interessa- Me o assunto.

Fabio Correa disse:

Parabéns! Excelente texto!

valeriamartins173@hotmail.com disse:

Muito bom o Artigo.

roberto jabur disse:

Lindo e emocionante texto

Maria de Lourdes Teodorovda disse:

Aprendi muito com os autores. Gosto da articulação com a teoria bioniana. O estilo do texto é muito agradável de se ler. Obrigada

Valéria disse:

Ouvi uma frase, procurei o autor, descobrir um tesouro de conhecimento. Parabéns ao site por me contar o que ninguém havia me contado antes.

“Quem come do fruto do conhecimento é expulso de algum paraíso.”

O que ela quis dizer é que, quando alguém (como ela) demonstra conhecer mais, do que outras que se acham mantenedores do conhecimento, é logo rejeitado por estes, pois não admitem haver alguém que saiba mais do que à eles. (a famosa “panelinha”)

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