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Existe personalidade forte? Como lidar com temperamentos explosivos

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Anne Lise Di Moisè Scappaticci, analista didata e professora da SBPSP, foi a entrevistada da coluna VivaBem, do portal UOL, para falar sobre o mito da “personalidade forte”. Na reportagem, Anne Lise explica que tal característica não é reconhecida pela ciência. “Não existe uma classificação científica, o que fazemos é uma observação do psíquico. Em determinados momentos entendemos que existem padrões, como não tolerar frustrações e a não satisfação imediata”, comenta.

Confira abaixo a entrevista na íntegra e leia aqui a matéria final publicada pelo UOL.

VivaBem: Existe temperamento forte?
Anne Lise: Do ponto de vista da psicanálise, tentamos não classificar uma pessoa ou um comportamento, como faz um médico, por exemplo, que atribui um diagnóstico. Buscamos focar o psíquico e descrever com nosso analisando o que vamos percebendo para que este possa fazer uma companhia o mais próxima possível de si mesmo.

Então, poderíamos nos perguntar o que estamos chamando de personalidade forte? É o fato da pessoa saber o que quer? É uma manifestação ou alguns episódios de irritabilidade? É uma sensação? Uma dor? Onipotência? 

Tem uma diferença muitas vezes entre como nos vemos e nos definimos e como de fato somos, sentimos. Esta diferença, este gap, é o que nos interessa evidenciar e o que muitas vezes surpreende a própria pessoa. Ela pode ter uma convicção de ser alguma coisa longe do que ela é. Pensamos como analistas que promover esta parceria da pessoa com ela mesma é a maior contribuição que podemos estimular.

VivaBem: O que explica que algumas pessoas são mais explosivas que outras? Esse comportamento é considerado normal para a saúde mental?
Anne Lise: Cada pessoa tem uma personalidade absolutamente singular. Muitas vezes uma manifestação de agressividade pode não ser deletéria e, sim, tratar-se de expressão do instinto de vida, da garra, da vontade de ir em frente. As pessoas tendem a ver a agressividade ou manifestações mais intensas como algo ruim e assustador, mas pode ser alguma coisa verdadeira, uma necessidade de reagir para não “des-existir”.

É preciso observar na experiência emocional e de intimidade com a pessoa para concluir se existe um padrão, por exemplo, se é um autoboicote ou se é algo destrutivo em relação a si e aos outros com quem esta pessoa se relaciona, ou não. 

Como disse, nossa função como psicanalistas não é de julgar ninguém ou de classificar como normal ou patológico, mas de convidar a pessoa a olhar para dentro de si, sua vida mental. Também não procuramos explicações ou causas porque a vida mental não é causa-efeito, linear, e nem pode ser conhecida completamente. O que importa é uma atitude de busca. Muitas pessoas podem ter pouca tolerância à própria mente, às emoções e assim serem mais impulsivas ou explosivas numa tentativa de se esvair da dor e do desconforto da própria companhia – pois, como diz a música: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Mas tudo isto precisa ser observado e trabalhado para dar uma segunda chance, o que é importante na vida

VivaBem: Quando esse comportamento pode ser considerado prejudicial?  
Anne Lise: Este comportamento pode ser considerado prejudicial quando é expressão de sofrimento, de depressão, a pessoa explode minando seus próprios recursos mentais e suas parcerias e então todos sofrem, porque ela impõe a si mesma e a quem tem maior intimidade um sofrimento e desgaste desnecessário. Contudo, chama-me mais a atenção este terreno interior de auto-sabotagem e auto destruição da própria percepção e dos recursos internos que vão sendo inutilizados. A destruição da própria mente gera muita dor. É o temor de não conseguir segurar, de perder o controle, de ir muito além, enlouquecer

VivaBem: Como lidar com pessoas que têm esse tipo de comportamento?
Anne Lise: Penso neste caso que isto se transforma num problema pessoal de quem convive com uma pessoa explosiva ou agressiva no sentido destrutivo. Porque este relacionamento convoca a nossa própria mente que é despertada pela nossa própria agressividade. Então precisamos observar o que este comportamento suscita em nós antes de mais nada. Medo? Masoquismo? Agressividade reativa?

Enfim, antes de lidar com o outro, é preciso lidar com aquilo que a explosão da outra pessoa provoca em mim. Esta é sem dúvida uma grande contribuição da psicanálise, que a gente se torne “responsável” (coloquei entre aspas porque não é no sentido moral e sim emocional) pela nossa existência e por aquilo que o outro nos desperta. Por exemplo, se percebo algum ‘gatilho’ meu que estimula a explosão do outro e assim por diante.

VivaBem: É possível neutralizar comportamentos explosivos de outras pessoas para não prejudicar sua saúde mental?
Anne Lise: Penso que esta questão é difícil de responder porque neutralizar significa um tipo de controle ou ainda, lançar mão de uma defesa racional e aqui se trata de uma situação emocional, psicológica e não lógica! Portanto, neutralizar não é possível, mas talvez lidar com aquilo que provoca em mim para poder não me prejudicar tanto, sim, é possível. Como disse, isto requer que eu me responsabilize pela minha própria vida psíquica e não fique numa atitude, por exemplo, de vitimização, o que é bastante comum. Com isto não quero justificar ou dizer que a atitude explosiva de alguém próximo não provoque sofrimento.

VivaBem: Quais riscos para a saúde mental de quem convive com pessoas de “personalidade forte”?
Anne Lise: Os riscos vão depender muito das condições emocionais das pessoas que estão junto e portanto, que convivem com as explosões. Em geral, este comportamento provoca hostilidade, ambivalência entre ódio e amor, enfim, emoções turbulentas e intensas. Se, no entanto, as pessoas, com as quais este indivíduo de “personalidade forte” convive, puderem, de alguma forma, suportar a própria dor, o ódio ou a frustração e conseguirem pensar e fazer parceria com o funcionamento saudável nelas próprias e nesta pessoa, pode ser que procurem ajuda, por exemplo de um psicanalista. Acho importante, mas me dou conta do quanto é difícil, não permanecer preso atribuindo a responsabilidade por tudo o que acontece em nossas vidas aos outros. Mas sem dúvida a psicanálise tem muito a oferecer neste sentido e sou muito grata pelos muitos anos de análise que tive oportunidade de fazer. 

Imagem: Ashes – Edvard Munch, 1894 (Domínio Público



Comentários

4 replies on “Existe personalidade forte? Como lidar com temperamentos explosivos”

Giovana disse:

Quanta delicadeza nessa exposição. Parece um assunto simples, mas, se parar para pensar é um emaranhado de sutilezas.

Anne Lise Scappaticci disse:

Obrigada querida Giovana. Muito boa essa interlocuçao por aqui e assim nos aproximamos de temas da vida comum!

Aida Divina Franco Ribeiro disse:

Tema difícil de ser discutido, como você mesma disse, desperta ambivalência, logo surgem muitos desdobramentos que requerem vários outros esclarecimentos para não causar mal-entendidos. Mas você Anne Lise, é e foi extremamente sensível, delicada e clara em sua fala. Parabéns, fico muito feliz com sua desenvoltura, progresso e estudiosa da psicanálise e em especial ao estudo e aprofundamento do pensamento de Bion. Grande abraço de saudades. Aida.

Maria das Graças da Silva disse:

Um belo jeito de abordar um tema tão difícil, que normalmente leva os envolvidos ao desespero e rápidas rupturas, na tentativa de lidar com a ambivalência vivida no “te quero, mas não consigo viver contigo”. O TEI – transtorno explosivo intermitente, correlacionado a esse tema traz muito sofrimento.

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