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Considerações psicanalíticas sobre a violência nas escolas

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Convido os leitores a dialogarem sobre os fenômenos de violência que estão acontecendo em nossa sociedade, recentemente na escola de São Paulo, na creche no Paraná e em outros espaços sociais. Quais as causas por trás de episódios violentos como esses?

Todo sofrimento mental revela algo da época, da cultura (Freud, 1930). Em 1921, ele já dizia que toda psicologia individual é também social. Em seus trabalhos descreveu como nossa vida é regida por fatores inconscientes, e que a origem etiológica dos distúrbios emocionais é multifatorial: predisposição hereditária, fatores ambientais. Klein, depois dele, acrescentou os constitucionais. Nossa natureza é o desamparo. Para constituirmos como humanos necessitamos de um outro humano que nos humanize, que outra pessoa venha ao nosso encontro para atender as nossas necessidades. O nascimento anatômico fisiológico precisa ser também emocional. Assim, o bebê nasce com um corpo, com uma soma que precisa ser habitado por uma psique (Winnicott, 2000). A travessia é do sensorial ao psíquico, nascemos não integrados em direção a integração, de uma dependência absoluta para uma independência. É através dos cuidados maternos, da experiência emocional de uma companhia viva, que vamos nos constituindo e inserindo nos grupos como pessoas. Uma boa maternagem pressupõe um cuidador devotado, atento as necessidades e aos gestos do bebê, com capacidade de sonhar por ele, pois ainda não é capaz, com continência psíquica, oferecendo proteção, promovendo desenvolvimento saudável (Bion,1962). Uma mãe ao amamentar um bebê não está só dando o leite como alimento, está ensinando a criança a pensar, quem é ela e qual mundo habita. O papel dos pais não é dar só o provimento material, e sim gerar amor, esperança, conter a dor, ensinar a pensar, funções essas que implicam que eles tenham também um desenvolvimento emocional.

A adolescência é um momento de metamorfose, de grandes mudanças que exigem trabalho psíquico. As transformações se processam no corpo, na identidade, no papel dos pais. O corpo deixa de ser infantil e se define sexualmente, imprime pressão sobre a identidade sexual, sai do espaço privado familiar para o público das amizades, da busca do reconhecimento pelos outros, vivencia as primeiras paixões. É momento em que o adolescente precisa recorrer e usar a poupança psíquica da infância. Se há uma recusa a estas transformações ele adoece. Parece que é vazio, sem alma, não consegue falar, se isola, se apega as redes sociais, não desenvolve o pensar. Pode também apresentar uma adolescência tardia com dificuldades de se inserir na vida adulta, dependendo dos pais com dificuldades de separar-se. Atitudes antissociais são tentativas de reaver os cuidados maternos, aquilo que foi privado, tentando reencontrar o cuidado perdido. Condutas destrutivas ocultam solidão, desamparo infinitos.

Pode-se observar alguns sinais nos adolescentes que indicam demonstrar que não estão bem em relação a saúde mental. Danos na autoestima, insegurança, vivencias de traumas contínuos e crônicos, medo de enfrentar os desafios do processo de amadurecimento, extrema dependência dos pais, apatia, comodismo, falta de esperança, não se reconhecem como capazes. Parecem assemelhar a um fruto ferido por um pássaro ou um inseto que o levou a um amadurecimento precoce, para se defender dos adultos “loucos”. Ambiente hostil, depressivo e abusivo promove introjeções de medo e culpa. O traumático é quando o adulto que a criança confia usa a linguagem da paixão, violentando a linguagem da ternura, da confiança, do amor que ela sente por ele. A insere em uma confusão de línguas, principalmente quando esta criança já traumatizada busca outro adulto para reconhecer a violência que sofreu e este não acredita nela, a desmente, fazendo sentir confusa, que não tem a quem confiar, nem a si mesma, pois sua mente é atacada. Encontrar alguém que dê fé e acredite nela, na sua ferida, que a auxilia a diferenciar o falso do verdadeiro é fundamental (Blay, 2014).

Nem toda criança, adolescente, vítimas de violência adoecem da mesma forma. Há aqueles com trauma de baixa intensidade que se tornam muito comprometidos emocionalmente, enquanto outros que sobrevivem a episódios traumáticos e não se afetam tanto. A criança necessita ser amada não como “coisa” e nem como única, ser atendida em suas necessidades, ser investida amorosamente reconhecida em sua singularidade. Precisa que os pais lhe ensinem a “falhar”, a tolerar frustração, a reconhecer a incompletude intrínseca a natureza humana e não como fracasso, a relacionar com outras pessoas, com as diferenças. A intolerância a frustração leva a perda da capacidade de pensar. A melhor defesa contra a violência é o pensar, é desenvolver a capacidade de tolerar a dor, fazer frente as turbulências e superá-las, transformá-las em saídas criativas.

O contato humano verdadeiro e sincero, atencioso e empático, firme e cuidadoso, capaz de colocar limites claros e definidos é saúde mental. As raízes da saúde mental estão na boa relação mãe-bebê, tem uma natureza multifacetada, no interjogo entre amor, ódio, onde a capacidade de amor é predominante. (Klein, 1960).

Ter saúde mental implica em uma personalidade integrada, com maturidade emocional (lidar com perdas e luto, aceitar substitutos), força de caráter (ter dentro de si objetos bons que guia e protege), capacidade de lidar com emoções conflitantes, equilíbrio entre vida interna e externa (enfrentar emoções penosas e lidar com elas).

Estes fatos ocorridos na escola de São Paulo e na creche do Paraná dão visibilidade a uma modalidade de mal-estar na ação sob forma de violência e criminalidade. Revela algo do individual, como da problemática do Eu, da dificuldade de discriminar quem eu sou e quem é o outro, bem como da cultura. Esta é também organizadora da subjetividade e da intersubjetividade. Pensando nossa cultura contemporânea (Hans, 2017), observamos que ela tem apresentado uma erosão social, do culto a imagem, do consumo, do imediato, do campo do excesso, do esvaziamento simbólico, da substituição do ser pelo ter, do eu sem tu. Uma cultura perversa que indica que a pessoa pode ter tudo e quando não tem fica como privação e não como limite. A miséria inunda o psiquismo, gera desamparo e incerteza.

A mente humana é regida pelo conflito, ele é motor da vida psíquica.

Quais sinais os adolescentes podem estar demonstrando que não estão bem em relação a saúde mental?

Todo ser humano precisa de oportunidade para ser, para participar, contribuir, como uma forma de lidar com a destrutividade com esperança e confiança. A escola semelhante a família é um lugar de criar vínculos, de desenvolver o pensar e o sonhar, de desenvolver potenciais, de amadurecer. É um espaço da diversidade, onde as diferenças circulam favorecendo as identificações, bem como é um lugar de urbanidade, de exercício de liberdade e segurança. Um lugar de construir e desconstruir narrativas da ética do ser, de interiorizá-la no coração, de fazer laços de amizade, de deixar a linguagem do outro se manifestar, expressar a emoção, abrir caminhos com compaixão empática.

Quero destacar a importância dos pais, das escolas, dos cuidadores. Como eles são fundamentais para criarem bons vínculos, ir ao encontro das necessidades, estabelecer sentido de realidade, conectar com a criança, adolescente sofridos, confusos, inibidos, que vivem dentro de cada um que se apresenta como difícil (“mentiroso, atuador, drogado” …) que aguardam esperançosamente por cuidado e sobreviver. Quando eles, são comprometidos emocionalmente podem usar a mente da criança, do adolescente para depositar o que eles mesmos não conseguem administrar. A violência que a criança e o adolescente sofrem pode deflagar distúrbios de conduta, tipo antissocial, ocultando solidão, desespero e desamparo. O efeito desta dinâmica inconsciente cresce sob o peso desta invasão, leva a criança e o adolescente a não defrontar com a dor da sua própria existência.

Referências Bibliográficas

Bion, Wilfred. (1962) Uma teoria do pensar In Melanie Klein Hoje, vol 1. Rio de Janeiro: imago, 1991.

Blaya, Anette. A violência da identificação projetiva. Revista de Psicanálise da SPPA, v.21, n2, agosto de 2014

Freud, S. (1921) Psicologia das massas e análise do eu, In Obras completas de Sigmund Freud. São Paulo: Companhia das Letras, v.15

________(1930) O mal-estar na Cultura, In Obras completas de Sigmund Freud. São Paulo: Companhia das letras, v.18

Hans, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis, R.J.: Vozes, 2017

Klein, Melanie. 1955) Sobre a identificação. In: Inveja e Gratidão (1946-1963). Rio de Janeiro: Imago, p.149-168.

________(1960) Sobre saúde mental. In: Inveja e Gratidão (1946-1963). Rio de Janeiro:

Winnicott, D., Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000  

Lidia Queiroz Silva Magnino é psicóloga, psicanalista de criança, adolescente e adulto, membro associado da SBPSP, mestre em Psicologia pela PUC-SP, docente do curso de graduação em Medicina e da pós-graduação da Universidade de Uberaba.

Imagem: Girl With Baloon, Bansky (Wikimedia)

As opiniões dos textos publicados no Blog da SBPSP são de responsabilidade exclusiva dos autores.    



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