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Amamentação: você tem fome de quê?

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Elisabeth Antonelli

Alimento e amor. Disso dependemos para nosso desenvolvimento físico e emocional. “O estômago é, pois, como uma miniatura interna de boa mãe” (Winnicott, 1979, p39). Agosto ficou conhecido como “Agosto Dourado”, simbolizando a luta pelo incentivo à amamentação. O dourado está relacionado ao padrão ouro de qualidade do leite materno. É uma cor toda especial, associada no mundo inteiro ao laço simbólico. São trinta e um dias em que são celebrados a promoção, a proteção e o apoio ao aleitamento, chamando nossa atenção para refletir acerca de um ciclo universal que acompanha gerações.

Quando falamos em amamentação, falamos dos primórdios da constituição do sujeito, momento privilegiado, quando ainda não existe uma separação entre o bebê e a sua mãe. Nascemos indiferenciados e imaturos se comparados, por exemplo, a um filhote de cachorro que, em pouco tempo, adquire sua independência a partir dos reflexos prévios. Por sermos dotados de um sistema de linguagem, não existimos sem o outro. Os cuidados nesse começo da vida são decisivos para o nosso desenvolvimento mental.

O cuidado materno é fundamental para o desenvolvimento do psiquismo do lactente. Junto com o leite, o bebê recebe o amor da sua mãe e, neste mesmo ato, o bebê pode participar do desenvolvimento na mãe da capacidade de decifrar os estados penosos vivenciados por ele.

A alimentação do filhote humano depende de todo o aparato psíquico da mãe, que servirá de suporte para o desenvolvimento do aparato psíquico do bebê. Embora o aleitamento no peito seja o mais desejável, as mesmas condições precisarão ser mantidas no aleitamento na mamadeira. É certo que as mesmas dificuldades brotarão.

Ainda na gravidez, a mãe percebe que uma nova realidade se aproxima: para gerar um filho precisará aprender a lidar com a dependência que a maternidade impõe. Não há preparação anterior quando se trata de gerar uma vida. Do mesmo modo que muito se espera de uma futura mãe, são negadas as condições necessárias para que ela possa sustentar tal papel. Nesse momento, o pai, que pode ou não ser seu marido, precisaria ter asas grandes o suficiente para proteger este ninho que vai ser inaugurado.

Somos seres desamparados que temos crias desamparadas que precisam de nós. Esse fato pode fundar uma tragédia ou pode construir a preciosidade do humano. Winnicott (2000. p401) chama de “Preocupação Materna Primária” o estado que a mãe vivencia perto do parto e nas primeiras semanas a partir do nascimento do bebê. Nesta fase de adaptação ao bebê, a mãe entra num estado muito especial, de uma espécie de retraimento ou dissociação, ou fuga, semelhante a um estado esquizoide. O autor descreve tal estado:gradualmente, esse estado passa a ser o de uma sensibilidade exacerbada durante e principalmente ao final da gravidez. Sua duração é de algumas semanas após o nascimento do bebê. Dificilmente as mães o recordam depois que o ultrapassaram. Eu daria um passo a mais e diria que a memória das mães a esse respeito tende a ser reprimida”.

Os primeiros momentos da vida de um bebê carecem de toda atenção da mãe que precisaria também contar com a atenção redobrada do marido e demais membros da família. A sociedade deveria ser convocada a acolher as parturientes amamentadoras para que esse processo pudesse ocorrer da melhor forma possível. Estamos falando de dificuldades simples e situações normais. Eventualmente, poderá haver outras questões mais complexas trazidas pelo bebê.

Falar em amamentação necessariamente é uma convocação às condições necessárias para que a mãe possa produzir leite, o que é um ato de amor por excelência!

 

 

Elisabeth Antonelli é psicóloga, psicanalista, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, membro associada da Sociedade Brasileira de Psicanálise, professora do COGEAE, da PUC-SP e do Instituto Sedes Sapientiae, autora do livro: “Os Sentimentos do Analista: A Contratransferência em Casos de Difícil Acesso”, ed. Zagodoni, além de artigos em revistas científicas.

 

 

 

Referências bibliográficas

https://www.marinha.mil.br/saudenaval/aleitamento-materno

Winnicott, D.W:  Da Pediatria à Psicanálise. RJ,Imago Ed.,2000

_____________: Tudo Começa em casa, SP. Martins Fontes, 1989

_____________: A criança e o seu mundo, RJ, Zahar, Ed. 1977



Comentários

One reply on “Amamentação: você tem fome de quê?”

Camila Salles Gonçalves disse:

O pequeno texto é uma joia bem lapidada. Escrita clara, delicada, precisa. Informa de modo agradável e despretensioso, com citações bem escolhidas e dosadas. Gratifica.

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