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O português torna-se língua oficial da IPA

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No dia 31 de julho de 2025, por ocasião do 54º Congresso da Associação Psicanalítica Internacional (IPA/API), em Lisboa, na Assembleia Geral (mais conhecida pela expressão em inglês, Business Meeting), foi finalmente votada e aprovada a inclusão do português como quinto idioma oficial da IPA.

Foi um momento emocionante para muitos de nós, brasileiros, que temos estado empenhados nesse reconhecimento, tanto do idioma como da própria psicanálise em língua portuguesa, e em nosso caso específico da psicanálise brasileira, há algumas décadas. E, como sempre, da mesma forma que fazemos em nosso trabalho diário, estaremos às voltas com a memória, episódios, marcos históricos, conflitos, tenacidade e o amor que nos une, nessa comunidade de destinos (Maffesoli, 2006), à “Última flor do Lácio, inculta e bela, / És, a um tempo, esplendor e sepultura: /Ouro nativo que na ganga impura/ A bruta mina entre os cascalhos vela”. (Bilac, 1919)

Quando Freud fundou a API, a partir de uma sugestão de Ferenczi, no congresso de Nuremberg, em 1910, tinha como objetivos evitar os abusos a que a nova ciência poderia ser submetida, estabelecer com clareza o que era, e principalmente o que não era, psicanálise, estabelecer grupos locais, filiados à organização central, para estimular a boa prática e formar novos analistas, e organizar encontros visando trocas amistosas e apoio mútuo. (Freud, 1914)

Nas primeiras décadas, tendo em vista que o movimento psicanalítico se desenvolvia principalmente na Europa, as línguas oficiais eram o alemão, o francês e o inglês, tendo progressivamente mudado esse cenário com a presença crescente de psicanalistas dos Estados Unidos, e, nas décadas mais recentes, com a participação de latino-americanos, ocorreu a inclusão do espanhol como o quarto idioma oficial.

No primeiro congresso da API de que participei, no longínquo ano de 1979, em Nova York, testemunhei possivelmente uma das primeiras apresentações de trabalho em espanhol, feita por um analista brasileiro, o saudoso professor David Zimmermann. Além da natural emoção desse momento, um aspecto que me despertou certo humor foi observar os colegas de outros idiomas procurando ansiosamente sintonizar os fones nessa língua provavelmente considerada algo bárbara.

Nisso entra o aspecto político inevitável que envolve essa questão, provocando uma pergunta de impossível resposta: qual é a “verdadeira língua da psicanálise”?

Jocosamente, Stefano Bolognini disse uma vez que o verdadeiro idioma da psicanálise é o “bad English“, ou seja, o mau ou o possível inglês que todos os analistas precisam falar em atividades administrativas ou científicas em que não há tradução automática.

Em um sentido mais profundo, sabemos que compartilhamos com analistas de todas as latitudes essa condição de estrangeiros, esse percorrer infindável por ruas, cidades e países, essa busca por significado, essa tentativa de entender esse misterioso outro com o qual nos encontramos ao longo de horas, dias, meses e anos. Nessa busca, esteja o analista numa cidade brasileira, chinesa, alemã, argentina, australiana, enfim, qualquer cidade visível ou invisível, ele terá necessariamente que buscar a familiaridade possível com as misteriosas expressões desse fascinante idioma que, apesar da Babel de línguas que caracteriza o movimento psicanalítico, e que afinal nos une: o inconsciente. (Eizirik, 2009)

E, no entanto, se esse fato nos une, cada um desses outros idiomas traz, ao mesmo tempo, uma forma de se expressar, uma história de cada palavra e suas evoluções, a presença dos povos que foram moldando, modificando, criando expressões, interjeições, suspiros, silêncios, memórias, que torna cada um deles único e especial para os que o falam.

Por que a inclusão do nosso idioma como o quinto oficial da IPA tem uma extraordinária importância para a psicanálise brasileira? Porque, como com outras psicanálises, a nossa se desenvolveu num modelo de colonizado, de importador e consumidor do que era produzido nos grandes centros do pensamento psicanalítico.

Como já descrevi, penso que a nossa, assim como a hispano-americana, é uma psicanálise mestiça, mas que tem uma singularidade própria e específica, que nas últimas décadas foi surgindo, de dentro para fora, incrementando sua presença, não apenas quantitativa, mas principalmente qualitativa, através de inúmeros pensadores com produção própria, um notável mercado editorial psicanalítico, congressos brasileiros de alto nível e uma presença científica e política no cenário internacional da psicanálise que cresceu muito a partir de 2005, pelo que posso observar ou escuto de muitos colegas de distintas latitudes.

Nesse período, fomos introduzindo, de várias formas, a presença do português nas atividades da IPA, e esse desejo de tê-lo como mais um idioma oficial foi sendo expresso pelos dedicados colegas brasileiros e latino-americanos que têm participado do Board.

Recordo, também com emoção, que meu discurso de posse (Eizirik, 2005) no congresso do Rio, foi proferido em português, naturalmente com tradução para as demais línguas, ocasião em que descrevi a psicanálise como uma obra em construção, ideias que continuo utilizando para nos mostrar como uma disciplina, uma ciência e uma arte vivas e em constante movimento e criatividade.

Há poucos dias, vivemos, em Lisboa, mais um desses instantes de eternidade, tão bem descritos por Quinodoz (2011), através de working parties, mesas-redondas, grupos de discussão e da possibilidade de expressar, no nosso jeito tão especial de ser e de comunicar, a nossa forma de ser, pensar e sentir a psicanálise.

Referências:
EIZIRIK , C.L. (2005) Psicanálise como uma obra em construção. Revista de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica da SPPA, v.12, n.2. p 217-226
EIZIRIK , C.L. (2009) A psicanálise pode ser em português? Revista Brasileira de Psicanálise, vol. 42, n. 1, 41-47
FREUD, S. (1969) História do Movimento Psicanalítico In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, Rio de Janeiro, Imago (trabalho originalmente publicado 1914)
QUINODOZ, D. (2011) Envelhecer, uma viagem para a descoberta de si mesmo. Revista Brasileira de Psicanálise, 45(3):97-108

Cláudio Laks Eizirik é membro efetivo e analista didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), professor emérito de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ex-presidente da SPPA e da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), prêmio Sigourney de psicanálise (2011) e vice-presidente nonorário da IPA.

Imagem: Shutterstock

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