O método Marlow: uma entrevista com Leopold Nosek
Home Blog O método Marlow O método Marlow: uma entrevista com Leopold NosekO psicanalista Leopold Nosek, autor de A disposição para o assombro (Editora Perspectiva, 2017), está prestes a lançar seu segundo livro, O método Marlow (Editora Perspectiva, 2025). O blog sentou-se com o psicanalista para conversar sobre seu novo trabalho.
Blog: Você poderia falar um pouco sobre seu novo livro?
Leopold Nosek: Ele está dividido em três partes. Na primeira parte, intitulada “Reflexões”, apresento um ensaio curto que sintetiza meu pensamento (“Um Resumo Provisório”, originalmente apresentado na Filadélfia), discorro sobre aquilo que chamei de “método Marlow” e escrevo sobre a relação entre sonhos e a música. Há também um artigo sobre uma questão que assola o nosso tempo: a questão do messianismo (optei por não utilizar a palavra “fascismo”). A segunda parte (“Interfaces”) é formada por textos variados, muitos dos quais foram publicados fora do âmbito estritamente psicanalítico: há textos sobre os riscos dos ataques à cultura, sobre a relação entre a psicanálise e a cultura em geral, textos sobre arte etc. A terceira e última parte (“Trajetórias”) contém ensaios mais antigos, que recobrem várias das minhas experiências e preocupações: há um texto sobre a observação de bebês, um trabalho sobre a metapsicologia freudiana, sobre sexualidade… Em suma, o livro complementa o anterior e representa um passeio pelo meu pensamento.
Blog: Você foi feliz em encontrar títulos enigmáticos ou ressoantes para seus livros. Antes de te perguntar o que seria “o método Marlow”, o que seria a “disposição para o assombro”, título do seu livro de 2017?
Leopold Nosek: Você já notou como é comum se dizer que “Deus é grande”, não é mesmo?! Mas por que não “enorme” ou “imenso”? Acredito que “imenso” e “enorme” sejam termos mais atrelados à ideia de dimensão. Já o adjetivo “grande” é uma espécie de eufemismo para se falar do infinito, porque o infinito é muito complexo; causa um desassossego… um assombro! Então é mais fácil dizer que Deus é apenas grande.
Nós sabemos que o assombro está na origem da filosofia, segundo Platão e Aristóteles: o thâuma. O assombro também atravessa a filosofia de Kant, afinal, o sublime é uma coisa assombrosa. Então o assombro tem uma longa tradição. Eu usei a ideia do assombro para pensar a situação clínica analítica. Quando eu tento definir, capturar o objeto, circunscrever respostas, a primazia é minha. Mas quando eu deixo-me ficar assombrado pelo outro, a primazia é do objeto. O psicanalista Salman Akhtar tem uma interessante epígrafe em um de seus livros: você até pode ter um analista que seja mudo, mas surdo nunca! Está aí: a importância da primazia do objeto. Então o assombro está no centro da nossa prática. Estar aberto para deixar-se assombrar pelo objeto (sejam nossos pacientes, sejam os conceitos analíticos) é nuclear na nossa disciplina.
Blog: E você poderia então explicar o título do seu novo livro, O método Marlow?
Leopold Nosek: Charles Marlow é o nome de um personagem do escritor Joseph Conrad (1857-1924), que está presente em muitos de seus romances, contos e novelas. Marlow é um marinheiro e um aventureiro. Mas, em O coração das trevas (1899), Conrad diz algo fascinante sobre ele:
“As histórias de marinheiros têm uma singeleza direta, e todo seu significado cabe numa casca de noz. Marlow, porém, não era um marinheiro típico (exceto em seu gosto por contar patranhas), e para ele o significado de um episódio não estava dentro, como um caroço, mas fora, envolvendo o relato que o revelava como o brilho revela um nevoeiro, como um desses halos indistintos que se tornam visíveis pelo clarão espectral do luar.”
Acho esse trecho lindo e ele me fez pensar em muita coisa em psicanálise. O tema da casca e do núcleo… Deixa-me dar um exemplo: qualquer pessoa pode oferecer uma definição aceitável por todos de “cadeira”. Se eu perguntar para um grupo de pessoas o que é uma cadeira, estaria chovendo no molhado, porque todo mundo “sabe” o que é uma cadeira. Mas, e se eu pedisse para cada membro desse mesmo grupo desenhar uma cadeira? O que aconteceria? Não encontraríamos dois desenhos iguais! Cada um afigura a cadeira a seu modo. Podemos transpor essa problemática para o modo como a conceitografia psicanalítica busca circunscrever os objetos da psicanálise, ou para como o analista tenta apreender o que está acontecendo em uma sessão. Há algo que sempre escapa, mas que também toca. Tanto nosso instrumental teórico quanto nossa prática clínica estão sempre atravessados por metáforas, porque estamos tentando nos aproximar de objetos fugidios e irredutíveis. A psicanálise revela, mas não captura; oferece vislumbres, mas não define.
No livro eu também falo do Bernardo-eremita, que é um caranguejo que, infelizmente, nasce sem carapaça. Ele tem que buscar uma concha, já que não consegue desenvolver um exoesqueleto próprio. Mas acontece que ele cresce… daí a concha que ele arrumou não serve mais, precisa buscar uma outra, depois outra, depois outra. E nós psicanalistas vamos atendendo um paciente atrás do outro, experimentando essas moradas temporárias, e manipulando conceitos psicanalíticos que sempre escorregam ou possuem serventias momentâneas. Eu brinco que as interpretações que ofereci para pacientes no passado deveriam ser vendidas com desconto no presente: elas não servem mais, o caranguejo cresceu!
Blog: Mas além de um contador de histórias, Marlow é um navegador, um aventureiro…
Leopold Nosek: Sim, e o leitor pode tomar o meu livro como uma viagem para dentro do inconsciente. Ou para as lonjuras do sertão… Sabe de uma coisa? Eu acho que o Grande Sertão: veredas deveria ser uma leitura obrigatória na Sociedade [Brasileira de Psicanálise].
Nós analistas gostamos de contar histórias, como qualquer marujo: falamos com autoridade sobre conceitos, temos convicções nas nossas capacidades de apreender os nossos pacientes… Mas deveríamos estar mais atentos à sabedoria de Marlow: o núcleo do relato ou o objeto que tentamos definir sempre escapa. O Método Marlow funciona por aproximações, é uma forma de representar, de contar histórias, que não busca reduzi-las às essências. Há muito que podemos aprender com o invólucro das coisas, com as aparências (e precisamos nos lembrar que as aparências não se contrapõem às essências). Como dizia Oscar Wilde: só uma pessoa muito superficial não liga para as aparências.
O livro O Método Marlow será lançado neste sábado, dia 04/10/2025, das 11h às 13h, na Livraria da Vila do Shopping Pátio Higienópolis.
Imagem: Leopold Nosek